sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Pequeno Balanço do Governo Lula - Análise Política e Econômica

Texto de autoria de Arnobio Rocha publicado no dia 08/09/2010 em http://arnobiorocha.wordpress.com/.


Primeiro Governo Lula

Devemos lembrar-nos do ano de 2002, para entendermos o primeiro Governo Lula e o exato contexto de mudanças:

Situação Política e Econômica pré Lula:
  1. Janeiro de 1999 uma desastrada maxi-desavalorização do real elevou de 1, 12 para 2,17 em apenas uma semana;
  2. O governo privatista FHC se esgotou em 15 dias após a posse;
  3. Os três anos seguintes foram de extrema letargia, baixo crescimento e todos os “ganhos” das grandes privatizações foram consumidos no imenso déficit das contas públicas;
  4. O maior caos político-administrativo foi o apagão energético, com Ministério de Minas e Energia esvaziado sobreveio o maior vexame da história recente, país não podia crescer por falta de geração e/ou transmissão de energia produzida;
  5. Apesar da melhoria da economia em 2001 o governo politicamente estava derrotado;
  6. Iniciado o ano da sucessão a oposição comandada por Lula era amplamente favorita;
  7. Abril de 2002 o Dólar estava no cambio flutuante no valor de R$ 2,32. O risco país em torno de 800 pontos (dados do BC);
  8. A candidatura governista e da imprensa e dos empresários o Sr José Serra não alça vôo é uma candidatura que ruma ao fracasso;
  9. Em meados de abril/2002 o Sr Luiz Fernando Figueiredo Diretor de Política Monetária do Banco Central modifica a política de prefixação de rendimentos dos fundos de investimentos. Antecipando os vencimentos dos títulos públicos fixados em dólar;
10.  A medida, aparentemente técnica, na verdade revela-se uma tentativa de golpear a oposição, pois com ela todos os índices econômicos são alterados radicalmente;
11.  Em um mês o dólar salta pra três reais, o risco país vai a 1500 pontos. A imprensa pró-FHC e seu candidato espalham boatos que a culpa deste desarranjo é a expectativa de Lula ser Presidente;
12.  Este clima de terror eleitoral foi maligno para o país entre o primeiro e o segundo turno o dólar chegará a 4,04 e o risco pais a 2500 pontos, o IGPM que remunera alugueis e tarifas públicas vai a 30%;

Lula recebe a “herança maldita”

A maior herança do FHC foi um estado falido, sem reservas cambias, expectativa inflacionária crescente, havia previsões de até 30% (IGPM e INPC) em 2003, taxa de juros em 23,5%, cambio de 1 US$ equivalia R$ 4,04, risco país em 2400 pontos, a falência levara ao apagão por incapacidade produtiva.

Os principais ministérios apenas cumpriam funções simbólicas, tendo o Estado sido “terceirizado” para agências reguladoras e todas as agências capturadas por aliados do antigo governo. O que sobrou do sucateado estado brasileiro tinha uma gama de terceirização escandalosa.

O país acaba pedindo 25 bilhões de dólar ao FMI em Dezembro de 2002 e aumenta a taxa de juros para 23,5% ao ano. O novo governo tem de lidar com um país saqueado, política de terra arrasada. Todos os planos de mudanças urgentes e estruturais serão adiados, pois se precisa primeiro não deixar o país falir de vez.

Todo o esforço de Lula foi convencer aos empresários e investidores estrangeiros que ele não porá fogo ao país, não dará calote, não deixará de cumprir os contratos mesmo àqueles que foram draconianamente elaborados.

Destas breves linhas depreende-se que o novo governo começa administrar uma máquina que tem pouco controle e domínio, a própria inexperiência de Governo Central joga contra Lula. O grande desafio era não cair em 6 meses como maquinavam FHC e seus aliados, este só se mudou de Brasília em fins de junho de 2003, achando que o governo cairia e ele seria chamado para “salvar”o Brasil.

As grandes Expectativas

Lula chega ao poder central depois de 25 anos das grandes greves do ABC que o projetara como grande líder de massas, não forjado em escolas tradicionais de sindicalismo comunista. Ele forja-se como peão que cresce dentro de uma fábrica num regime de exceção cujas liberdades sufocantes é a mola mestra do crescimento econômico, mas na segunda metade dos anos 70 os militares já não davam conta nem do crescimento econômico, bombardeado pela crise do petróleo, muito menos das demandas sociais por liberdade política. A esmagadora vitória do MDB em 74 e 78 prepara um novo ambiente.

As greves de 78/79 lideradas pelo metalúrgico até então desconhecido, são o tiro que faltava para deflagrar o grande movimento pela anistia, liberdade política. Em 80 a ultima tentativa dos militares foi liberar os partidos, com claro objetivo de dividir as oposições, daí surge a grande novidade política do Brasil, o PT.

Sem muitas delongas, este não é objetivo aqui, o PT se forja como a opção vinda da classe trabalhadora mais vitoriosa do país, desde seu inicio identifica a necessidade de chegar ao poder, e nove anos depois chega ao segundo turno da eleição presidencial deixando para trás lideranças expressivas como Brizola e Ulisses. Lula se consolidará como alternativa de poder nas próximas eleições, carregando consigo todo um simbolismo de lutas sócias e transformações.

Talvez lidar com estas grandes expectativas seja a parte mais complexa da montagem do governo inicial, como atender demandas reprimidas num ambiente econômico tão ruim?

2003-2005 Apenas lutar para sobreviver

Desde a montagem da equipe e de algumas medidas houve acertos óbvios e erros clamorosos inoperantes. A equipe econômica não poderia fugir da lógica do mercado, não havia qualquer espaço de manobra e as medidas tomadas foram coerentes com o momento para dar fôlego futuro: 1) Exportações; 2) controle da inflação; 3) aumento do salário mínimo acima da inflação, nada mais podia ser feito de substancial.

Do ponto de vista social o grande acerto foi o lançamento da “Fome Zero” era mais que uma marca, um compromisso para aquele tempo, mas faltaram gestores que entendessem profundamente como montar um programa social tão amplo.

Do ponto de vista político a não vinda do PMDB ao governo causou graves transtornos ao governo mesmo sendo vitorioso na eleição majoritária o governo era ampla minoria no congresso o bloco efetivo que venceu a eleição só tinha 192 deputados e pouco mais 20 senadores.

Os operadores políticos de Lula foram para tática de ganhar apoio no varejo e em bases partidárias que não tinham compromissos algum com o projeto, a troca de favores e futuros financiamentos de campanha virou a moeda de troca, notadamente com o PTB de Roberto Jefferson, que foi o partido escolhido para desembarcar estes “apoios”.

A lógica traçada por Zé Dirceu deste tipo frágil de apoio desembocará no Mensalão, o valerioduto criado pelo PSDB mineiro, foi amplamente usado pelos operadores Petistas, a grande diferença é que, no caso mineiro não havia interesse em denunciá-lo. No caso de Brasília tornou-se o escândalo nacional, a mídia amplificou as denuncias, CPIs e toda sorte.

Por um erro tático de FHC e aliados, que achavam que Lula iria sangrar em praça pública e desagregar seu governo, eles não foram à frente com o impeachment. Por esta lógica qualquer candidatura de oposição bateria Lula no primeiro turno, este foi refresco melhor que Lula poderia receber.

2005-2006 A grande virada

Com a saída de Zé Dirceu do Governo, Lula teve as rédeas totais do seu destino, não sei se consciente ou não, mas as escolhas para reconstruir o governo foram decisivas, em particular a de Dilma para Casa Civil.

Fator Dilma

Ninguém prestou atenção quando Lula nomeou Dilma para Minas e Energia, o único fato relevante era que ela fora guerrilheira, presa política, torturada e que depois no RS se tornara economista e tinha sido uma importante gestora do Governo Olívio Dutra.

No Ministério da Minas e Energia revelar-se uma grande gestora, do país sem energia, com déficit absurdo que fazia com quem não se pudesse ousar em qualquer crescimento econômico, pois a energia estava sob racionamento, ela consegue reverter o quadro de forma rápida e eficaz, sem prejudicar a população, pois esta não foi chamada para pagar a conta, diferentemente dos impostos anti-apagão de FHC.

A ida dela à Casa Civil muda completamente a lógica de funcionamento do Governo, sua dinâmica, perspicácia, dureza começa a dar outra cara administrativamente ao governo. Na prática Dilma converte-se em Ministra chefe, liberando Lula das tarefas cotidianas e sendo a figura pública necessária ao seu governo.

Segundo Governo Lula e grande crise de 2008

2007-2008 PAC e Crescimento sustentado

Novo Governo Lula é totalmente diferente do primeiro, se livra de vez de todas as heranças malditas e passa a pensar o país mais em longo prazo, o maior acerto foi o PAC, que é um conjunto de iniciativas articuladas por todos os entes federativos visando alavancar o crescimento sustentado.

Por iniciativa da Casa Civil foram listadas todas as obras, projetos, combinando orçamento da União evitando desperdício e usando uma lógica de combate ao desemprego, articulação de setores da economia e preocupação social. Em particular os recursos são destinados para saneamento, infraestrutura (estradas, portos, aeroportos), habitação, hospitais. Foram dois anos de intenso crescimento econômico, geração de emprego e renda.

A queda do muro de Wall Street – Setembro de 2008

A lógica de produzir fortunas a qualquer custo, em particular às alavancagens bancárias, foram criando ondas especulativas em a “riqueza virtual” superava em até 10 vezes a riqueza real. A necessidade crescente de guerras e conflitos para revigorar a produção de capital a emissão de moedas e o endividamento dos EUA, combinado com a inversão de fluxo de capital dos países periféricos para o centro criou o caldo de cultura para a futura crise.

A redistribuição da produção, privilegiando China e Índia, com a visão de barateamento ao extremo dos custos, leva conseqüentemente à desindustrialização dos grandes centros, começa um ciclo de sobrevivência das famílias através de empréstimos bancários cada vez mais “generosos”, uma bolha de consumo nunca vista na história ameaça todo o sistema. Grandes corporações americanas passam a ter mais “lucros” com atividades interbancárias de empréstimos do que com o produto vendido, caso exemplar da GM, Ford.

Os bancos como bombeadores do sistema com seus imensos créditos sem lastro vão à bancarrota de forma inacreditável, no espaço de 45 dias as maiores instituições bancárias do mundo falem sincronizadamente.

Socorro neoliberal pelo Velho ESTADO

Seria cômico se não fosse trágico, mas o Estado vilipendiado pelo neoliberalismo virou o socorro às estas almas carentes de fé na sua ideologia, todas as práticas e discursos foram esquecidos e como na música do Chico a fila para Geni salvar tinham todos os personagens.

Em poucos dias o USA elegeu Obama, quase 30% da economia americana foi formalmente estatizada, a dívida líquida e o déficit público as jóias da coroa neoliberal foram enfiadas no saco, a prova cabal de que a ideologia e a política não resistem a dinâmica de crise econômica produzida pelo capital.

O Brasil e o neoliberalismo

Como falamos acima nenhum projeto político ficou imune a lógica Neoliberal, o do PT de Lula se adaptou a este mundo, mas por uma condição particular de extrema miséria e às doses cavalares do receituário neoliberal aplicados aqui, já se começava a gestar iniciativas tímidas de tentativas de fazer algo diferente à política dominante.

Dois fatores, para mim foram fundamentais:

1)       Diminuição da dependência americana, busca de novos parceiros comerciais;
2)      Rompimento com a política de privatizações, que preservou o Banco do Brasil a CEF e a Petrobras;

Mesmo sob críticas ferozes Lula buscou desde 2003 remar lentamente contra a maré, fez um excelente política externa coordenada por Celso Amorim, aproximando da China, da África e uma aliança estratégica com a Europa, em particular com a França.

Impulsionou o G20 grupo que passou a ter voz ativa na OMC e fazer frente às demandas  dos países centrais de maior exploração dos recursos destas nações e imposição de seus interesses de privatização e invasão de seus produtos.

A segunda política, a de parar as privatizações salvou um pouco do patrimônio público e deu margem de manobra para impulsionar uma política de desenvolvimento incentivado pelo Estado.

A Petrobrás que quase fora privatizada por US$ 3 bilhões em 1999, em janeiro 2003 tinha seu patrimônio em US$ 20 Bilhões, em janeiro de 2010 ela vale US$ 200 Bilhões e movimenta cerca de 10% do PIB, sendo hoje a quarta maior petroleira do mundo. Os ganhos do Pré-Sal podem definitivamente tirar o Brasil da miséria endêmica.

O Brasil e a grande crise

Aos primeiros sinais da crise Lula, falou que ela seria uma “marolinha”, quase foi massacrado pela mídia e seus acólitos no parlamento. Porém ele jogou todo seu patrimônio político no combate a crise, enfrentou-a de peito aberto, com o significativo pronunciamento no natal de 2008.

Lula jogou todas as suas forças e recursos do Estado para que o Brasil fosse pouco atingido pelos efeitos da crise, importante lembrar os coveiros (Miriam Leitão, Sardenberg, PSDB e DEM) que torciam entusiasmados com a possibilidade de derrotar o governo, todo dia eles comemoravam um número ruim que saiam, em abril chegaram a dizer que o desemprego iria explodir em 2009, que a geração de novos empregos seriam nulas. No parlamento a ‘“marolinha” era motivo de chacota, os programas eleitorais do DEM/PSDB/PPS repetiam as piadas sobre a crise.

Logo em junho a situação se reverteu, o pior passara, o crescimento seria ZERO, mas o mundo todo em média seria de -4%, ou seja, estávamos no Lucro. A previsão de geração de emprego foi de 1 milhão.

Lula passou a ser visto no mundo como o “CARA” nas palavras de Obama, sua rapidez de agir, firmeza e principalmente a confiança de que só nós podíamos vencer a crise convenceu a população de que era possível.

A mídia e os resultados de 2009

Olhando a tabela acima sobre os números da economia mundial e comparando com os do Brasil abaixo:

Dívida Publica x PIB

Em Dez/2008 = 37,3 % do
Em Dez/2009 = 42,96%

Supervit da Contas Públicas X PIB

Em 1999 = 3,26%
Em 2000 = 3,46%
Em 2001 = 3,64%
Em 2002 = 3,89%
Em 2003 = 4,32%
Em 2005 = 4,85%
Em 2008 = 3,54%
Em 2009 = 2,06

Mesmo com toda crise nossos números são extremamente favoráveis, mas lógico que donas Miriam, Sardenberg da vida e PSDB/DEM acham que estamos no casos pois geramos só 995 mil empregos (5 mil a menos do que previsto), que nossa dívida pública aumentou e o superávit caiu.

Como há muitos incautos é bom comparar com o mundo e ver o porquê Lula foi agraciado em Davos e nossos brilhantes “economistas” (não seria apenas torcedores?) não entendem nada de nada. Ademais a oposição entra em pânico ante os números das pesquisas.

Vendo isto hoje, vejo que precisamos urgente de um filme “Adeus, Reagan”, duro é saber quem faria o papel da velhinha Neoliberal, sugestões?

2010 auspicioso crescimento

Chegamos a Setembro de 2010 com uma perspectiva de crescimento vigoroso de 7,3%, todos os indicadores econômicos em alta, vejamos a herança que Lula deixará para seu sucessor:

1)    14 milhões de novos empregos, taxa de desemprego mais baixa da história;
2)    De Janeiro de 2003 a Junho de 2010 43% a mais de empregos formais;
3)    Classe média aumentos em 24 milhões de pessoas;
4)    32 milhões de pessoas saíram da linha da miséria;
5)    Classe C tem mais poder de consumo de A+B juntas. Classe D emergindo e entrando firme no mercado;
6)    Salário mínimo foi de US $ 65 para 295 e quebrou a versão de que se aumentasse salário previdência e empresas iriam a falência;
7)    Brasil é 3º país  no ranqking de investimentos mundiais;
8)    Petrobras fará a maior capitalização da América Latina por uma empresa, algo em torno de 25 Bilhões de Dólares, Pré-Sal vira realidade;
9)    Contas públicas em ordem;
10)  Diminuição da carga de 36,1 para 33,58% do PIB em plena crise;
11)  8ª Economia mundial e perspectiva de ser a 5ª em 5 anos;
12)  Copa do Mundo em 2014 e Olimpíadas em 2016, abrindo ampla perspectiva de investimentos, obras e empregos;

Muito há que se fazer, dívida social é imensa, falta mais reforma agrária, falta resolver o problema do câmbio, combater a desindustrialização, diminuir impostos, política de inclusão social. Melhorar educação e saúde pública. Mas sem dúvida muito foi feito apesar de todas as dúvidas de 2002.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Pronunciamento do Presidente Lula (23/12/2010)



Pronunciamento à Nação do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em cadeia nacional de rádio e TV, por ocasião do final de ano.


Queridas brasileiras e queridos brasileiros,

Dentro de poucos dias deixo a Presidência da República. Foram oito anos de luta, desafios e muitas conquistas, mas, acima de tudo, de amor e de esperança no Brasil e no povo brasileiro. Com muita alegria, vou transmitir o cargo à companheira Dilma Rousseff, consagrada nas urnas em uma eleição livre, transparente e democrática, um rito rotineiro neste país que já se firmou como uma das maiores democracias do mundo.

É profundamente simbólico que a faixa presidencial passe das mãos do primeiro operário presidente para as mãos da primeira mulher presidenta. Será um marco no belo caminho que o nosso povo vem construindo para fazer do Brasil, se Deus quiser, um dos países mais igualitários do mundo. País que já realizou parte dos sonhos dos seus filhos, mas que pode e fará muito mais para que este sonho tenha a grandeza que o brasileiro quer e merece.

Minhas amigas e meus amigos,

Hoje cada brasileiro e brasileira acredita mais no seu país e em si mesmo. Trata-se de uma conquista coletiva de todos nós. Se algum mérito tive, foi o de haver semeado sonho e esperança. Meu sonho e minha esperança vêm das profundezas da alma popular, do berço pobre que tive e da certeza que, com luta, coragem e trabalho a gente supera qualquer dificuldade. Quando uma pessoa do povo consegue vencer as dificuldades gigantescas que a vida lhe impõe, nada mais consegue aniquilar o seu sonho nem sua capacidade de superar desafios. E quando um país como o Brasil, cuja maior força está na alma e na energia popular, passa a acreditar em si mesmo, nada, absolutamente nada detém sua marcha inexorável para a vitória.

Foi com essa energia no peito que nós, brasileiros e brasileiras, afugentamos a onda de fracasso que pairava sobre o país quando assumimos o governo. Agora estamos provando ao mundo e a nós mesmos que o Brasil tem um encontro marcado com o sucesso.

Se governei bem foi porque, antes de me sentir presidente, me senti sempre um brasileiro comum que tinha que superar suas dores, vencer os preconceitos e não fracassar. Se governei bem foi porque, antes de me sentir um chefe de Estado, me senti sempre um chefe de família, que sabia das dificuldades dos seus irmãos para colocar comida na mesa, para dar escola para seus filhos, para chegar em casa todas as noites a salvo dos perigos e da violência. Se governamos bem foi, principalmente, porque conseguimos nos livrar da maldição elitista que fazia com que os dirigentes políticos deste grande país governassem apenas para um terço da população e se esquecessem da maioria do seu povo, que parecia condenada à miséria e ao abandono eternos.

Mostramos que é possível e necessário governar para todos, e quando isso se realiza, o grande ganhador é o país.

Minhas amigas e meus amigos,

O Brasil venceu o desafio de crescer econômica e socialmente, e provou que a melhor política de desenvolvimento é o combate à pobreza. Construímos, juntos, um projeto de nação baseado no desenvolvimento com inclusão social, na democracia com liberdade plena e na inserção soberana do Brasil no mundo. Fortalecemos a economia sem enfraquecer o social, ampliamos a participação popular sem ferir as instituições, diminuímos a desigualdade sem gerar conflitos de classes, e imprimimos uma nova dinâmica política, econômica e social ao país sem comprometer uma sequer das liberdades democráticas.

Ao receber ajuda e apoio, o nosso povo deu uma resposta dinâmica e produtiva, trabalhando com entusiasmo e consumindo com responsabilidade, ajudando a formar uma das economias mais sólidas e um dos mercados internos mais vigorosos do mundo. Em suma: governo e sociedade trabalharam sempre juntos com união, equilíbrio, participação e espírito democrático.

Minhas amigas e meus amigos,

O Brasil demonstra, hoje, sua pujança em obras e projetos que estão entre os maiores do mundo e vão mudar o curso da nossa história. Me refiro às obras das hidrelétricas de Jirau, Santo Antônio e Belo Monte; às refinarias de Pernambuco, Rio de Janeiro, Maranhão e Ceará; às estradas que vão abrir rotas inéditas e estratégicas, como as ligações com o Pacífico e o Caribe; e às ferrovias Norte-Sul, Transnordestina e Oeste-Leste; além do projeto em licitação do trem de alta velocidade, que vai ligar São Paulo e Rio.

Também estamos fazendo os maiores investimentos mundiais no setor de petróleo, principalmente a partir da descoberta do pré-sal, que é o nosso passaporte para o futuro. Ele vai gerar milhões de empregos e uma riqueza que será, obrigatoriamente, aplicada no combate à pobreza, na saúde, na educação, na cultura, na ciência e tecnologia, e na defesa do meio ambiente. Estamos, ainda, realizando um dos maiores projetos de combate à seca do mundo: a transposição das águas do São Francisco, que irá matar a sede e diminuir a pobreza de milhões e milhões de nordestinos.

Ao mesmo tempo em que realiza grande obras, o Brasil, acima de tudo, cuida das pessoas, em especial das pessoas mais pobres. Temos, hoje, os maiores e mais modernos programas de transferência de renda, segurança alimentar e assistência social do mundo. Entre eles, o Bolsa Família, que beneficia quase 13 milhões de famílias pobres e é aplaudido e imitado mundo afora.

Nosso modelo de governo também permitiu que o salário-mínimo tivesse ganho real de 67% e a oferta de crédito alcançasse 48% do PIB em 2010, um recorde histórico. O investimento em agricultura familiar cresceu oito vezes e assentamos 600 mil famílias, metade de todos os assentamentos realizados no Brasil até hoje.

Com o Luz para Todos, levamos energia elétrica a 2 milhões e 600 mil pequenas propriedades, e, através do Minha Casa Minha Vida, estamos construindo 1 milhão de moradias, e as famílias que recebem até 3 salários-mínimos serão as mais beneficiadas. Na área da saúde, tivemos vários avanços como o Samu, o Brasil Sorridente e as Unidades de Pronto Atendimento, as UPAs, que estão sendo construídas Brasil afora.

Triplicamos o investimento em educação, elevando a qualidade de ensino em todos os níveis. Inauguramos 214 escolas técnicas federais, mais do que foi feito em cem anos, e implantamos 14 novas universidades e 126 novas extensões universitárias em todas as regiões do país. O ProUni beneficiou 750 mil jovens de baixa renda com bolsas universitárias.

Meus amigos e minhas amigas,

Há muitos outros motivos que reforçam nossa confiança no futuro do Brasil. Temos quase US$ 300 bilhões de reservas internacionais próprias, dez vezes mais do que tínhamos no início do nosso governo. Nossa taxa média anual de crescimento dobrou. Agora, em 2010, por exemplo, vamos ter um crescimento recorde de quase oito por cento, um dos maiores do mundo. E outras quatro grandes conquistas provam, com força simbólica e concreta, que nosso país mudou de patamar e também mudou de atitude.

Geramos 15 milhões de empregos, um recorde histórico, e hoje começamos a viver um ciclo de pleno emprego. Promovemos a maior ascensão social de todos os tempos, retirando 28 milhões de pessoas da linha da pobreza e fazendo com que 36 milhões entrassem na classe média. Zeramos nossa dívida com o Fundo Monetário Internacional, e agora é o Brasil que empresta dinheiro ao FMI. Ao mesmo tempo, reduzimos, como nunca, o desmatamento na Amazônia.

A minha maior felicidade é saber que vamos ampliar todas essas conquistas. Minha fé se alicerça em três fundamentos: as riquezas do Brasil, a força do seu povo e a competência da presidenta Dilma. Ela conhece, como ninguém, o que foi feito e como fazer mais e melhor. Tenho certeza de que Dilma será uma presidenta à altura deste novo Brasil, que respeita seu povo e é respeitado pelo mundo.

Este país que, depois de produzir seguidos espetáculos de crescimento e inclusão, vai sediar os dois maiores eventos do Planeta: a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Este país, que reduziu a desigualdade entre as pessoas e entre as regiões, e vai seguir reduzindo-a muito mais. Este país, que descobriu que não há maior conquista do que recuperar a autoestima do seu povo.

Queridas brasileiras e queridos brasileiros,

Quero encerrar com um pedido enfático e um agradecimento profundo. Peço a todos que apoiem a nova presidenta, assim como me apoiaram em todos os momentos. Isso também significa cobrar, na hora certa, como vocês souberam me cobrar. A cobrança foi um estímulo para que a gente quisesse fazer sempre mais, e o amor de vocês foi a minha grande energia e o meu principal elemento.

Agradeço a vocês por terem me ensinado muitas lições e por terem me fortalecido nas horas difíceis, e ampliado a minha alegria nas horas alegres. Saio do governo para viver a vida das ruas. Homem do povo que sempre fui, serei mais povo do que nunca, sem renegar o meu destino e jamais fugir à luta.

Não me perguntem sobre o meu futuro porque vocês já me deram um grande presente. Perguntem, sim, pelo futuro do Brasil e acreditem nele porque temos motivo de sobra para isso. Minha felicidade estará sempre ligada à felicidade do meu povo.

Onde houver um brasileiro sofrendo, quero estar espiritualmente ao seu lado; onde houver uma mãe ou um pai com desesperança, quero que minha lembrança lhes traga um pouco de conforto; onde houver um jovem que queira sonhar grande, peço-lhe que olhe a minha história e veja que na vida nada é impossível.

Vivi no coração do povo e nele quero continuar vivendo até o último dos meus dias. Mais que nunca, sou um homem de uma só causa e essa causa chama-se Brasil. Um feliz Natal e um próspero Ano Novo, e muito obrigado por tudo.


Entrevista de Lula a Celso Athayde, em 23-12-2010


CELSO ATHAYDE...
Celso Athayde é um produtor brasileiro, nasceu na baixada Fluminense, RJ, onde viveu até os 7 anos, aos 16 anos já havia morado em 3 favelas, em abrigo publico e na rua. Foi criado na favela do Sapo, auto didata Celso assina três Best Sellers, é co-autor dos livros Falcão - Mulheres e o tráfico (2007), Falcão - Meninos do Tráfico e Cabeça de Porco, os dois primeiros com o Rapper Mv Bill e o últimos com MV Bill e o sociólogo Luiz Eduardo Soares. O quarto Livro é O Manual dos Basqueteiros, a primeira publicação de basquete de rua que se tem noticia. Em 1994 lançou a primeira revista de musica Black do Rio de Janeiro (revista Black Music).

Tornou-se o mais influente produtor de hip hop do Brasil através do projeto Hutúz, que faz parte do calendário cultural oficial da cidade do Rio de Janeiro e que tem eventos como: Prêmio Hutuz, Festival de Cinema Hutúz, Festival de Artes Integradas(Hutúz Rap Festival), Seminários, batalhas hip hop, batalhas de Mc's, Dj's, B.Boy's, Hutuz Latino Americano, entre outras invervenções.

Criou o Cine Cufa, um festival de cinema internacional de produções audiovisuais realizadas por moradores de favelas. Criou o BRADAN, festival brasileiro de Break e o RPB, Rap Popular brasileiro, festival nacional de Musica rap, que tem como objetivo fazer o rap dialogar com as musicas regionais. Celso se descobriu cineasta, produzindo e dirigindo o documentário Falcão Meninos do Trafico, co-dirigido por MV BILL, que mudou a história da Televisão no Brasil. Filme que foi vencedor de prêmios em 26 países. Outros filmes foram dirigido por Celso Athayde, como Três da Madruga, Di Menor, Soldado do Morro, entre outros…

Criador da Liga Internacional de Basquete de Rua Liibra, evento internacional que acontece em 12 países e nos 27 estados da federaçãol, também é fundador da CUFA (Central Única das Favelas), instituição de jovens de periferias instaladas em mais de 300 cidades e mais de 15 países.

Cuida ainda da agenda de grandes nomes do hip hop brasileiro, como Nega Gizza e MV Bill. Com Bill criou a Frente Brasileira de Hip Hop em 2003, quando pela primeira vez no mundo um chefe de estado (Lula) recebe oficialmente uma comissão de Hip Hop e cria um grupo de trabalho interministerial para tratar exclusivamente das oportunidades do hip hop.

Como consagração de suas iniciativas, recebeu condecorações, prêmios internacionais e nacionais, como o Orilaxe (2006), na categoria Direitos Humanos.

No Rio recebeu a medalha Pedro Hernesto, oferecido pela camara dos vereadores, como reconhecimento ao seu trabalho.

É um dos fundadores do movimento Recultura, Movimento para a reforma tributária e fiscal para o mercado cultural Brasileiro.

Celso é Feloow da Ashoka desde 2007 e realiza grandes manifestações esportivas e culturais em prol da inclusão social e do exercício da cidadania.

A entrevista

- Parte dos brasileiros é contra a presença das tropas brasileiras no Haiti. o senhor concorda que os nossos soldados devem ficar aqui e não lá ?
A participação brasileira na Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH) é um grande exemplo de solidariedade. Não podemos ser indiferentes à situação de um país irmão que vive uma situação tão dramática e com o qual mantemos tantos laços históricos e culturais. Nossa ação tem amplo apoio das forças políticas representadas no Congresso Nacional, em Brasília, e reflete a tradição de generosidade do povo brasileiro. Conta com a autorização expressa do governo haitiano, tem o apoio dos países do Caribe e se desenvolve dentro de linhas definidas pelo Conselho de Segurança da ONU.

A ação dos soldados brasileiros é reconhecida como das mais eficazes na pacificação das forças em conflito. Com engenheiros militares, nós damos apoio especial na recuperação da infraestrutura necessária ao fortalecimento do Estado haitiano. O Haiti é o Estado mais pobre do Hemisfério Ocidental. Essa situação é o resultado de anos de intervenções externas e de governos autoritários que pouco deixaram de positivo para a população.

O terremoto de janeiro último abalou os alicerces que ainda restavam. Em um mundo cada vez mais interligado, em que o Brasil se sobressai pela retomada do crescimento e bem-sucedida política social, não podemos virar as costas para problemas humanitários graves, sobretudo quando acontecem em nossa própria região. Não seremos prósperos sem que nossos vizinhos também encontrem o caminho da paz, da segurança e do desenvolvimento.
- O senhor sempre disse que o mensalão não existiu. No entanto o do DEM é uma realidade. O sr. não acha que essa comprovação mostra que o mensalão é uma pratica habitual em todos os partidos políticos?
Essa história de mensalão é uma das muitas histórias que ainda não estão devidamente esclarecidas e explicadas. Quando estiver fora do governo, eu vou me dedicar a estudar o caso até entender o que realmente aconteceu. O que mais me intriga é que o deputado que fez a acusação foi cassado porque não apresentou nenhuma prova. O texto da cassação dele, na Câmara dos Deputados, diz que ele foi cassado por falta de decoro parlamentar por não ter provado as acusações que fez. Mesmo assim, o processo contra os acusados continuou.

Esse caso me lembra o linchamento de inocentes. Muita gente entra na onda, fica cega e surda para qualquer argumento contrário, e passa, vamos dizer, a jogar bosta na Geni. Comparo também com o caso da Escola Base, de São Paulo, em que os donos foram acusados de molestarem sexualmente as crianças. Eram absolutamente inocentes, mas começaram a ser bombardeados e a ser conhecidos em praticamente todos os veículos de comunicação como "os monstros da Escola Base". Diante da execração pública pela imprensa, houve saque e depredação do prédio da escola.

São muitos casos de injustiça. Lembro também do acidente com o avião da TAM. Enquanto a aeronave e o prédio ainda estavam em chamas, portanto muito tempo antes de se abrir a caixa preta, apresentadores de televisão diziam que o governo havia matado 200 pessoas.

Outros diziam que era mais um crime do governo Lula. Fui julgado e condenado sumariamente, sem direito de defesa, por quem não tem poderes para isso. E muita gente embarcou nessas acusações. Hoje já se sabe que a razão do acidente foi um dos manetes estar em posição errada, de aceleração, por erro humano ou por falha técnica.

- A quem o senhor atribui essas acusações que julga injustas?
Boa parte da imprensa, em determinados momentos não investiga nada, e só dá ouvidos a quem diga o que ela quer ouvir. Em relação ao chamado mensalão, hoje, eu tenho plena consciência de que houve também o aproveitamento de um suposto crime eleitoral para tentar desgastar e sangrar o governo durante um ano, para que nós perdêssemos as eleições de 2006.

A coisa só não continuou porque eu mandei um recado claro a diversos senadores que queriam inclusive iniciar um processo de impeachment – se tentarem quebrar as regras democráticas, vão ter que me enfrentar nas ruas. Eu me reuni com os movimentos sociais e obtive todo o apoio.

Foram criados panfletos e adesivos com inscrições como "Mexeu com o Lula, mexeu comigo" e "Deixa o homem trabalhar". Só aí é que eles recuaram. Essa mesma elite já apeou do poder outros governos eleitos democraticamente: o de Getúlio, em 1954, cujo desfecho foi o suicídio, e o de João Goulart, em 1964, e ainda tentaram, sem sucesso, o golpe contra Juscelino Kubitschek.  

- O senhor concorda que o apoio ao presidente do Irã foi exagerado?
A política externa do meu governo aponta sempre para a paz. E a melhor maneira de alcançá-la é por meio do diálogo. Não queremos uma nova guerra como a que aconteceu no Iraque, país que foi acusado – hoje já se sabe, injustamente – de desenvolver armas de destruição em massa. Temos boas relações com todos os países e não há razão para não ter com o Irã.

A política externa brasileira caracteriza-se pela universalidade e pela busca permanente de soluções negociadas para os problemas que afligem a humanidade. Quanto mais crítica, complexa ou explosiva uma situação mais importante será seguir o caminho do diálogo, da diplomacia. Proceder de outra forma seria irresponsável. Na área nuclear, o Brasil só deseja para o Irã o mesmo que quer para o Brasil: o direito ao uso da tecnologia nuclear para fins pacíficos. Atuamos junto com a Turquia na questão do programa nuclear iraniano para trazer o país à mesa de negociação, e conseguimos.

Agimos em contato permanente com os membros do Conselho de Segurança da ONU, sem receber reparo deles, muito pelo contrário. Mas todos mudaram de atitude quando o Irã concordou em fazer o acordo. Essa mudança só pode ter sido causada por ciúmes, porque não poderiam aceitar que Brasil e Turquia tivessem conseguido o que eles não conseguiram.

Os interesses brasileiros são globais. Portanto, seria um engano pensar que situações geograficamente distantes não nos afetarão. Ocupamos assento não-permanente no Conselho de Segurança já pela décima vez. Fomos eleitos por 182 de 183 votantes não só para cuidar de temas relacionados com a nossa vizinhança, mas também para atuar em qualquer situação que afete a comunidade internacional, porque os membros da ONU acreditam que temos credenciais para isso. 

- O senhor foi eleito pela Time como um dos líderes mais influentes do mundo. Pra onde vai essa influência agora?
Eu não penso na influência que possa ter. Penso, isto sim, que a experiência acumulada à frente de um governo, que tem o apoio maciço da população, não pode ser desperdiçada.

Ao longo destes oito anos, nós desenvolvemos mecanismos muito bem-sucedidos de promoção do crescimento econômico combinado com transferência de renda. Se, antes, a valorização dos salários e os programas sociais eram considerados um peso para a economia, no meu governo passaram a ser um dos motores do crescimento.  

- Como o senhor define o fortalecimento econômico do Brasil durante seu governo?
Quem tem muitas carências, assim que seu poder aquisitivo aumenta, pelo salário valorizado ou pelos benefícios sociais, consome imediatamente: compra do pequeno comércio, que compra do grande, que demanda dos setores industriais e agropecuários. Tudo isso resulta em geração de riquezas e de novos empregos, beneficiando toda a sociedade. Para se ter uma idéia, quando a crise financeira provocou uma retração dos mercados externos, nossas empresas se voltaram para o mercado interno, que estava extremamente fortalecido.

Em 2009, no auge da crise, enquanto em quase todos os países o consumo despencou, no Brasil cresceu nada menos que 5,9%. Avançamos como nunca no rumo da inclusão social, na redução das desigualdades regionais e sociais. Essa experiência pode ser levada a países que ainda lutam contra a fome e a miséria.

Desejamos ter parceiros fortes, o que é importante não apenas do ponto de vista humano, do ponto de vista da solidariedade, mas também para a própria economia brasileira. O comércio com esses países só se fortalece à medida que eles tenham mercado consumidor, à medida que sejam economicamente fortes para nos vender seus produtos e para comprar os nossos. Como é que a gente poderia ter comércio forte com quem não tem o que vender, nem dinheiro para comprar?  

- O senhor não acha justo criar tarifas sociais para serviços como luz e água em favelas? É possível uma política pra isso?
Não só é possível como já existem medidas neste sentido. Em janeiro deste ano, eu sancionei a Lei 12.212, que concede descontos nas contas de energia elétrica para moradias de famílias de baixa renda. É preciso atender a algumas exigências, como, por exemplo, a moradia ser de família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), com renda familiar de até meio salário mínimo por pessoa.

Podem ter direito aos descontos também famílias inscritas no CadÚnico, com renda de até três salários mínimos, e que tenham entre seus membros portador de doença que exija uso continuado de aparelhos elétricos. Os descontos são de 65% para moradias que consomem até 30 kWh por mês; de 40% para as que consomem entre 31 e 100 kWh por mês; e de 10% para consumo compreendido entre 101 e 220 kWh por mês.

Para ter direito a essa tarifa com descontos, os que estiverem inscritos no CadÚnico devem procurar o gestor do Bolsa Família do município para fazer o cadastro e para obter as demais orientações. Quanto à água, tenho informações de que a Cedae, que pertence ao Estado do Rio de Janeiro, tem uma linha de Tarifa Social (no valor de R$ 17,00) para famílias de baixa renda de conjunto habitacional, moradia popular ou favelas.

Informações sobre a documentação necessária para conquistar o direito à Tarifa Social podem ser obtidas em alguma agência da Cedae, no site da empresa ou pelo telefone 0800-282-1195. O projeto Água para Todos, do governo do Estado, já iniciou a construção de novas redes de tubulações, reservatórios, etc., e vai levar água para 111 favelas do Rio. Em todas elas, os moradores também vão contar com a Tarifa Social. 

- Como o senhor sabe, a cufa não deseja novas favelas. Porém, enquanto elas existirem nossa ação será criar alternativas para seus moradores. A pergunta é: É possível criar uma política de habitação capaz de tornar as favelas brasileiras coisa do passado?
O governo federal, nesses oito últimos anos, elegeu como uma de suas prioridades, o efetivo enfrentamento da questão da falta de moradias ou de moradias dignas. As favelas mereceram uma preocupação especial. Mas trata-se de um problema muito grave que não recebeu um tratamento adequado ao longo de décadas e por isso não é possível ser totalmente solucionado no curto prazo.

Elaboramos o Plano Nacional de Habitação que, de forma planejada e articulada entre União, Estados e Municípios, prevê a superação do déficit habitacional até o final do ano de 2023. No entanto, várias ações já foram e estão sendo implementadas, com destaque para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Minha Casa Minha Vida (MCMV).

O programa MCMV concede mais benefícios para quem ganha menos. Para as famílias que ganham até R$ 1.395,00 por mês, as prestações são de 10% da renda familiar, com valor mínimo de R$ 50,00 e período máximo de pagamentos de 10 anos. Depois desse prazo, o débito é extinto automaticamente.

Para famílias com renda de R$ 1.395,00 a R$ 2.700,00, recebem um subsídio para completar os pagamentos, que pode chegar a R$ 23 mil, e ainda conta com juros subsidiados, de 6% ao ano. A faixa mais elevada de renda, de R$ 2.790,00 a R$ 4.900,00, conta com juros subsidiados, de 8,16% ao ano, e podem obter financiamento para até 100% do valor do imóvel, quando o prazo de financiamento não ultrapassar 20 anos. Até o Natal nós teremos completado a assinatura de contratos do MCMV para a construção de 940 mil moradias destinadas a famílias de baixa renda.  

- O senhor acredita mesmo que esses programas têm um futuro consistente?
Para os próximos anos, além da continuidade de outros programas habitacionais, estão previstos mais 2 milhões de unidades habitacionais, somente por meio do programa Minha Casa Minha Vida. O desafio de transformar as favelas em bairros populares, com moradias dignas e todos os serviços urbanos básicos, é muito grande. Mas, com as obras do PAC e o programa MCMV, nosso governo começou a dar passos muito importantes neste sentido e eu estou convencido de que vamos concretizar este sonho. 

- O senhor concorda que emparedou os movimentos sociais?
De maneira nenhuma. A democracia participativa não é, absolutamente, um processo de "emparedamento" ou cooptação dos movimentos sociais pelo Estado. Quando participam de fóruns com o governo, as organizações populares não perdem a sua autonomia organizativa e política. Se as suas propostas não são aprovadas, elas têm o pleno direito de continuar a defendê-las na sociedade.

O dado concreto é que boa parte das nossas políticas é fruto de propostas surgidas em conferências, conselhos e mesas de diálogo, com a participação efetiva de representantes de todos os segmentos sociais. Só de conferências, foram 73, que mobilizaram nas etapas municipais, estaduais e nacional, em Brasília, mais de 5 milhões de pessoas.  

- O que são as mesas de diálogo?
Em relação às mesas de diálogo, cito a que construímos com as centrais sindicais e que resultaram na fórmula do salário mínimo, que possibilitou, desde 2003, reajustes reais, ou seja, acima da inflação, de 72%. Esse diálogo permanente teve vários outros resultados positivos, como é o caso do valor do salário médio dos trabalhadores, que vem batendo recordes – em outubro, chegou a R$ 1.515,40, o maior da série histórica do IBGE.

Outros resultados importantes dessa participação das grandes organizações populares do país foram o Prouni, que fornece bolsas de estudos para 748 mil jovens de famílias carentes cursarem faculdades particulares, e o Plano Safra da Agricultura Familiar, que elevou de R$ 2,5 bilhões para R$ 15 bilhões o financiamento do setor. Com tudo isso, 26 milhões de brasileiros saíram da condição de pobreza e 37 milhões subiram de classe social.

A sociedade, portanto, só teve a ganhar com essa participação. Aliás, pela primeira vez, não houve paredes, nem portões fechados, separando a Presidência e representantes dos movimentos sociais. Em meu governo, as portas do Palácio do Planalto sempre estiveram abertas para eles, que foram recebidos e ouvidos desde o início da mesma maneira com que os empresários sempre foram. 

- O Sr Ainda acha que o DEM é um mal para a política nacional?
Tudo começou com a Arena, partido que era uma espécie de braço desarmado da ditadura brasileira, que tanto mal causou ao País e à sociedade. Com o fim da ditadura, para que ninguém se lembrasse do seu passado, seus dirigentes, espertamente, mudaram o nome para PDS.

Como também não deu certo, tornaram a mudar, desta vez para PFL. Quando o povo abriu os olhos mais uma vez, os políticos desse partido mudaram para DEM. E já devem estar pensando em novo nome, porque o DEM também já não engana mais ninguém. Pois bem, esse partido, ou melhor, seu antecessor, o PFL, que não consegue se viabilizar nas urnas, em 2005 tentou o tapetão, o que é natural porque é um partido que tem a ditadura no seu DNA. É sempre assim – partido que não tem apoio do eleitorado, apela. Um de seus dirigentes chegou a dizer que iria se ver livre dessa "raça do PT" por pelo menos 30 anos.  

- Mas esse ano, em especial, o senhor disse que ele deveria ter sido extirpado. Ainda acha isso?
Quando, este ano, eu disse que esse partido precisava ser extirpado da política brasileira, eu me referia às urnas, dentro do jogo democrático. Mesmo assim me penitencio. Acho que foi um momento de arroubo, de exaltação, que não deveria ter acontecido. O partido deve continuar concorrendo, desde que se limite à disputa dentro das regras da democracia, esquecendo o seu passado ditatorial, se é que seus dirigentes vão conseguir.  

- O senhor acha que se o voto não fosse obrigatório os eleitores seriam mais politizados?
Eu não acredito. Na minha opinião, com o voto facultativo, a tendência seria ir piorando cada vez mais a qualidade dos representantes eleitos. Por uma razão simples: muitos daqueles que se julgam conscientes, e que poderiam eleger bons parlamentares e governantes, não iriam votar, com a velha alegação de que todos os candidatos são iguais, que nada muda, etc.

É claro que isso se deve muito ao fato de que só aparecem na mídia os parlamentares que se envolvem em escândalos, que cometem irregularidades ou supostas irregularidades. Fica a impressão de que ninguém presta, o que levaria o eleitor consciente a abrir mão de votar. Isso significa que aumentaria a porcentagem de eleição de maus candidatos, daqueles que se elegem comprando votos, oferecendo sacos de cimento, jogo de camisas de futebol, dentadura, dinheiro vivo e por aí afora. Se, com a possibilidade de abstenção, votos nulo e branco já isso já acontece de certa forma, fico imaginando se não houver a obrigatoriedade do voto. 

- Mas o senhor há de convir que o voto obrigatório é algo autoritário, certo?
Na minha opinião, voto obrigatório nada tem de autoritário – a medida, que faz parte do sistema político de boa parte das democracias estáveis e consolidadas, ajuda na politização e no aumento da responsabilidade dos governantes. O voto, pra mim, tem que ser igual a imposto. Imagina se algum país vai deixar cada cidadão decidir se quer ou não quer pagar imposto. O país quebraria.

Com o voto tem que ser a mesma coisa. Com o voto obrigatório, você garante que somente sejam eleitos governantes aqueles que foram apoiados pela maioria dos eleitores. É claro que se trata da quase maioria porque há as abstenções, votos nulos e brancos. Mas assim mesmo o eleito terá muito mais legitimidade do que se for votado apenas pela maioria dos que concordam em votar. Um instituto brasileiro fez pesquisa recentemente procurando saber quantas pessoas iriam às urnas se o voto não fosse obrigatório. Sabe quantas disseram sim? Apenas 55% dos eleitores.

Vamos ser otimistas e considerar que esses 55%, mesmo sem ter a obrigação, não viajarão no dia do pleito e realmente sairão de casa, chovendo ou fazendo sol, e vão se dirigir a uma sessão eleitoral para depositar o seu voto. Nesta hipótese, que é a melhor, significa que com o apoio de apenas a metade desse índice mais um voto – vamos dizer, 28% -, um candidato seria eleito. Veja que a imensa maioria dos eleitores – 72% - não apoiou o candidato. Qual é a legitimidade que ele vai ter para governar? 

- Um dos prêmios Nobel de economia, Paul Krugman, disse que o Brasil pode ser uma bolha, principalmente pelo nível de formação da sociedade como um todo. Podemos ser uma bolha ?
O economista deve ter alertado para o perigo de uma bolha "financeira", como conseqüência da valorização da nossa moeda. Quanto a essa possibilidade, o governo está atento e tem tomado medidas como o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para impedir que investidores estrangeiros ganhem com a valorização do real. Além disso, dispomos de outras alternativas que podemos vir a usar para impedir que haja turbulências a partir dessa área. O Brasil sofre as consequências de um desequilíbrio externo que tem suas origens na inserção da China na economia global e especialmente sua relação com os Estados Unidos.

Uma solução definitiva para esse problema externo depende do equacionamento da relação entre esses dois países. Se o economista falou em bolha "imobiliária", nos moldes da norte-americana, isso também não procede. Existe em nosso País uma demanda real por investimentos em habitação, que está sendo atendida por meio do programa Minha Casa Minha Vida.

Nosso sistema bancário é objeto de regulação atuante, o nível das nossas reservas é recorde – US$ 300 bilhões –, os bancos públicos estão saudáveis, o crédito cresce sem movimentos imobiliários especulativos. Além disso, nosso crédito em relação ao PIB ainda é muito inferior ao dos países mais desenvolvidos. Ainda existe, portanto, muito espaço para aumentar. A inadimplência mantém-se baixa. 

- Qual sua posição sobre a política de cotas para negros nas universidades públicas?
O resultado do ingresso de estudantes de origem negra em cursos universitários, por meio de políticas de ação afirmativa, sobretudo pelas cotas, tem sido extremamente positivo. As instituições de ensino superior que decidiram adotar essas políticas, por decisão de seus conselhos universitários, permitiram o acesso de 52 mil estudantes negros em cursos que para eles até então eram inacessíveis: Medicina, Engenharia e Direito, entre outros.

O aproveitamento dos cotistas em universidades como a UFRJ e a UnB tem sido excelente e em muitos casos superior ao dos demais alunos. Alguns reitores relatam, de forma entusiasmada, que estudantes de ascendência negra agarram com unhas e dentes a oportunidade de ingresso na universidade, estudam muito e têm freqüência altíssima. Outra iniciativa que está favorecendo de forma excepcional os estudantes de origem negra é o Prouni, programa que fornece bolsas de estudos para jovens de famílias de baixa renda cursarem universidades. 

- Na prática, quais são os resultados ?
Até agora, são 748 mil jovens e quase a metade é de estudantes negros e negras. Nós temos hoje, frequentando nossas universidades, muito mais alunos de origem negra do que já houve em toda a história do nosso país. Essa grande parcela da juventude do país até recentemente ficava apenas na dimensão do sonho, irrealizável na grande maioria das vezes. O ensino é a principal porta para o crescimento profissional, para a ascensão social e para a conquista efetiva da cidadania. Estamos resgatando uma dívida antiga do nosso país com a população afrodescendente e contribuindo para caminharmos no sentido de uma sociedade de inclusão social, muito mais igualitária e sem preconceitos.  

- O que o Lula não conseguiu fazer nesses 8 anos que vai tirar o seu sono?
É claro que não fizemos tudo o que falta ao Brasil porque seria absolutamente impossível em apenas dois mandatos. Nosso País foi governado quase sempre de maneira predatória, o que produziu distorções e desigualdades como em poucos lugares do mundo. É óbvio que em apenas oito anos seria impossível consertar tudo o que foi feito de errado em 500 pelos governantes, com raras exceções.

Para ser franco, eu considero o saldo do nosso governo extremamente positivo, opinião que é partilhada pela população, conforme atestam todas as pesquisas de opinião. É por isso que eu boto a cabeça no travesseiro e durmo muito bem – não perco um minuto de sono. 

- E qual foi o ponto mais forte?
Acho que o resultado mais importante de tudo o que fizemos não se mede com números, com estatísticas – o principal resultado foi ter recuperado a autoestima do nosso povo, que passou a acreditar na realização dos seus sonhos, a acreditar que era possível crescer, que amanhã pode ser melhor do que hoje. Isso não tem preço. É com essa perspectiva que um país vai para a frente, que resolve os seus problemas e constrói o amanhã. 

- Mesmo assim, muitas coisas ainda poderiam ter sido feitas, certo?
Alguém pode dizer que algumas coisas poderiam ter sido feitas, mas não foram. Eu concordo. É como num jogo de futebol. Um time ganha de cinco a zero e mesmo assim perde três gols feitos – poderia ter ganho de oito. Mas isso sempre acontece. O mais importante e que devemos louvar é que o time teve um grande desempenho, garantiu três pontos e um belo saldo de gols.  

- Qual é o maior desafio da Dilma?
Eu acho que a presidenta Dilma Rousseff vai tomar posse numa situação muito mais confortável, em certos aspectos, do que aquela que eu vivi quando assumi a Presidência pela primeira vez. Afinal, em 2003, tudo estava por ser descoberto. Hoje, eu percebo que o caminho se descobre realmente caminhando. Foi assim que nós construímos os meios de apontar para o crescimento econômico combinado com inclusão social.

Antigamente se dizia que era preciso que o bolo (da economia) crescesse bastante para depois ser dividido (com o povo). Nós invertemos tudo isso, ao dividir para crescer. É isso mesmo, as políticas de transferência de renda foram uma das molas do crescimento econômico. Além de ter participado ativamente conosco dessas descobertas, Dilma, pelos cargos que ocupou, tem um conhecimento profundo da máquina pública federal.

Eu creio que, diante de tudo isso, o principal desafio que ela vai encontrar é fazer mais e melhor do que o que já foi feito. E eu estou convencido e tenho fé de que ela vai conseguir. Sua capacidade de trabalho, sua dedicação e sua energia já foram testadas nesses oito anos e ela foi aprovada com méritos. Realizar mais e melhor é um desafio e ao mesmo tempo uma necessidade, diante de tudo o que falta fazer para termos um país realmente próspero e igualitário.  

 

O Povo em Brasília na posse de Lula - 01/01/2003

A voz do povo no dia da posse do Lula.

Virada do ano 2002 para 2003. Posse do presidente Lula. Qual o sentido da palavra "esperança" naquele momento?
Direção: Marcelo Díaz

(PARTE 1)



de esperança e espera - PARTE II de II



Documentário
Às Margens Plácidas (Parte I)



Às Margens Plácidas (Parte II)



Posse do Presidente Lula



posse Lula esq fumaça.avi



A grande festa de Lula

Lula e Dilma com catadores de papel no almoço de natal

 


Lula, pediu uma oração para o vice-presidente José Alencar,
para que ele possa se restabelecer e cumprir o desejo de
participar pessoalmente da posse de Dilma no dia 1º.



O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu nesta quinta-feira (23), durante encontro com catadores de papel, em São Paulo, orações para o seu vice José Alencar, que voltou a ser internado ontem no Hospital Sírio-Libanês devido a uma grave hemorragia na região abdominal. Antes de participar da Expocatadores, na zona norte da capital paulista, Lula e a presidente eleita Dilma Rousseff estiveram com Alencar no hospital.

O presidente pediu a todos os presentes que rezassem pela saúde do vice e enviassem “boas energias” para que ele se recupere o mais rápido possível.

- Se essa energia positiva que está aqui passar para o Zé Alencar, ele certamente vai se recuperar muito mais rápido. Acho que essa reza transmite toda a energia que queremos passar para ele.

Segundo lula, Alencar disse a ele que quer se recuperar a tempo de participar da posse de Dilma, quando ele e o presidente da República entregarão seus cargos.

- Ele só tem um desejo: poder sair do hospital no dia 1º para às 16h estar na posse da companheira Dilma em Brasília. E ele disse que vai de qualquer jeito nem que seja para descer [a rampa do Palácio do Planalto] de cadeira de rodas.

Do Blog do Planalto publicado em 23/12/2010.

Em mais um discurso marcado por emoção, o presidente Lula ressaltou o que ele define como o fator principal da melhoria de vida do brasileiro: o fortalecimento da autoestima do povo. Durante a cerimônia de celebração do Natal dos catadores e da população em situação de rua, realizada em São Paulo nesta quinta-feira (23/12), Lula parabenizou os catadores que “aprenderam a falar porque aprenderam a ter consciência, a andar de cabeça erguida; porque catar papel não pode ser vergonha, mas um orgulho por levar para casa o sustento com o trabalho”.

Com o sentimento de que fez muito, mas ainda não tudo, Lula diz deixar a Presidência a República com o objetivo de continuar lutando pelo povo mais pobre e visitando cada lixão que existir no País, pois o compromisso assumido por ele não foi de um presidente, mas sim “de um ser humano, de um brasileiro que sabe como vocês vivem e a importância de vocês têm”.

“Nós só iremos construir esse país verdadeiramente justo quando a gente olhar um para o outro e não ver diferença entre nós, a gente ver que nós, antes de sermos brasileiros, antes de sermos companheiros, nós somos irmão de caminhada, e vamos construir juntos uma vida melhor."

O presidente rebateu as críticas feitas pela imprensa no ano passado, quando sugeriu que eles fizessem “a matéria do ano” sobre os catadores de papel. Segundo Lula, ele foi acusado de querer ensinar os jornalistas a trabalharem quando, na verdade, ele apenas fez uma sugestão.

“Falo não para a imprensa, mas para a Dilma e para mim mesmo: o problema do Brasil é que muita gente continua agindo como agia há 20 anos, sem perceber que o Brasil mudou.”

Em seu discurso, Lula elogiou os prefeitos que fizeram convênios com os catadores de papel e pediu para os que ainda não aderiram a ação que o façam o mais rápido possível, para melhorar e fortalecer as cooperativas. Fez um pedido especial ao prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, para “tratar o pessoal da Granja Julieta com carinho”, estabelecendo o convênio como prometido em 2009.

Disse, ainda, que “morador de rua não é nem um caso perdido nem um caso de polícia, é um caso de amor, é um caso de paixão e é um caso de políticas públicas, em vez de achar que tudo se trata com cacetete."

Este é o oitavo Natal dos Catadores com o presidente Lula, que participa do evento desde 2003, apresentando o balanço das ações do governo federal e anunciando programas e políticas públicas.
Participam do evento representantes do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis e do Povo de Rua, da Pastoral de Rua, da Igreja Católica, entre outros.


LEIA ABAIXO A ÍNTEGRA DO DISCURSO DO LULA

Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de celebração do Natal dos catadores e da população em situação de rua
São Paulo-SP, 23 de dezembro de 2010


            Agora, eu vou fazer o discurso, mas antes de eu fazer o discurso ainda, é o seguinte. E eu a Dilma, antes de chegarmos aqui, nós fomos visitar o companheiro Zé Alencar. O companheiro Zé Alencar, ontem, ele passou mal, teve... perdeu três quilos [litros] de sangue e foi operado ontem à noite. Eu e a Dilma fomos lá vê-lo, e eu queria pedir, Júlio, que você, aqui... que a gente pudesse... como aqui ninguém é médico e ninguém faz milagre, que a gente rezasse um Pai-Nosso aqui para o nosso Zé Alencar.

Padre Júlio: Todos em pé, oremos, pelo nosso vice-presidente, José Alencar, pela sua saúde, a oração que o Senhor nos ensinou, na sua forma ecumênica.

Presidente: Olha, se essa energia positiva que está aqui passar para o Zé Alencar, certamente que ele vai se recuperar muito mais rápido, e ele só tem um desejo: é poder sair do hospital, no dia 1º, para, às 4h da tarde, ele estar na posse da companheira Dilma lá em Brasília. Ele disse que vai de qualquer jeito, vai de qualquer jeito. Nem que seja para descer de cadeira de rodas, ele quer estar na posse da Dilma, no dia 1º de janeiro, e eu acho que esta “reza” aqui transmite toda a energia que nós queremos passar para ele.
           
 A segunda coisa é o seguinte: aqui não precisaria ninguém fazer discurso. Era só essa fotografia com... a minha foto, a da Dilma e vocês aqui, para a gente notar que alguma coisa mudou neste país. Quando é que se imaginou que o presidente do BNDES viria a uma reunião com catadores de papel assinar financiamento para catadores de papel? Jamais isso foi pensado neste país. Quando é que a gente já imaginou o presidente do Banco do Brasil vir a uma reunião com os catadores de papel assinar acordo? Essa quantidade de ministros aqui, a Fundação Banco do Brasil, dois presidentes de uma vez só – um “sainte” e um entrante – os dois... Isso... dizer que o Brasil não mudou é não enxergar esta foto.
           
Eu vou começar dizendo uma coisa para vocês. No ano passado, quando nós nos encontramos, eu tinha pedido... eu olhei para os companheiros da imprensa, e eu tinha pedido para os jornalistas fazerem a matéria do ano deles e, que, ao terminar a atividade, cada um pudesse escolher um catador de papel ou um morador de rua e fazer entrevista. Quem estava aqui se lembra que eu falei exatamente isso. Para minha surpresa, no outro dia, eu li no jornal, e disseram que eu fiz crítica à imprensa. Em vez de dizer que eu tinha feito uma sugestão, ainda tiveram alguns que falaram: “Ele queria ensinar a gente a fazer jornalismo”.
           
Eu vou contar uma coisa, não para a imprensa agora, mas para a Dilma e para mim mesmo. Você sabe qual é o problema do Brasil? É que muita gente continua agindo como agia há 20 anos, sem se dar conta que o mundo mudou.
           
É só olhar o discurso das pessoas que falaram aqui. Essas pessoas, pouco tempo atrás, jamais imaginaram estarem sentadas ao lado de uma presidenta da República, jamais, jamais imaginaram. Essas pessoas aprenderam a falar, porque aprenderam a ter consciência, aprenderam a entender que também têm os seus direitos, aprenderam a andar de cabeça erguida, porque catar papel não pode mais ser vergonha. É orgulho levar para casa o sustento com o trabalho. Um morador de rua não é nem um caso perdido e nem um caso de polícia. É um caso de amor, é um caso de paixão e é um caso de políticas públicas, em vez de achar que tudo se trata com cacetete.
           
Eu quero dar os parabéns aos prefeitos que receberam o prêmio aqui e fazer uma crítica aos prefeitos que ainda não concordaram com o Decreto e não fizeram convênio com os catadores de papel. Eu estou vendo ali uma placa da Granja Julieta. Eu lembro que, da outra vez que eu vim aqui, da outra vez que eu vim aqui, eu pedi para o Kassab, ele assumiu o compromisso. Portanto, eu quero aqui, do microfone – eu sei que ele está ouvindo ou ele vai ler o que vocês vão escrever –, [dizer] ao companheiro Kassab [para] tratar o pessoal da Granja Julieta com carinho, Kassab, pelo amor de Deus. E aos outros prefeitos que ainda não fizeram convênio, que façam.
           
Nós estamos possibilitando, com os convênios, que aconteça, na vida de todas as pessoas, o que aconteceu com esta menina, que nasceu e que foi criada dentro de um “lixão”. O que nós queremos é apenas que as pessoas respeitem vocês. Nós não estamos pedindo favor. Nós estamos apenas criando direitos para vocês. E tem mais um direito, Gilberto, que eu não estou assinando hoje, Dilma, mas vou assinar, acho que na semana que vem – que é a medida provisória 4 e não sei das quantas lá – uma medida provisória que a gente dá um incentivo para o empregador que comprar o material reciclado dos catadores de papel. Ele vai ter uma motivação para comprar o papel deles, para poder facilitar mais a vida deles. Eu iria assinar, mas tinha cinco vetos. Vocês sabem que o Guidinho e o Paulinho Bernardo pedem sempre um vetinho. Tinha cinco coisas para vetar. Como o Beto não tinha estudado, eu não trouxe para assinar. Vou assinar na semana que vem. Mas vamos garantir para vocês mais esse direito.
           
Depois, é o seguinte, gente. Eu queria dizer para vocês o seguinte. Olhe, é com muito orgulho, mas com muito orgulho, que eu termino o meu mandato – dia 23 de dezembro, antevéspera do Natal – junto com vocês, do mesmo jeito que eu comecei em dezembro de 2003 junto com vocês. O que eu sinto é que, pelo menos, a direção de vocês está mais gordinha, mais rechonchuda. Está aqui, ó, o cara parece... Dá uma olhada: vê se o cara parece presidente de cooperativa. O cara parece mais um surfista. O cara parece mais um pegador de onda do que um chefe de cooperativa.
           
Gente, eu sei que nós ainda não fizemos tudo e é bom que a gente não faça tudo de uma vez, porque seria fácil ter mandado uma lei para o Congresso Nacional, e aprovar uma série de coisas de uma vez. Não dá certo. O que dá certo é a gente ir maturando e conquistando cada coisa, porque essas cooperativas só funcionam quando existe um estalo de consciência e as pessoas percebem que devem se organizar. Se a gente tentasse criar por decreto, não criaria e não funcionaria.
           
Portanto, vocês estejam certos de que esta companheira Presidenta que foi eleita, ela vai tratar vocês com carinho, igual à mãe de vocês, ela vai tratar vocês com respeito, e podem ficar certos de que vocês vão continuar tendo avanços, porque a Dilma tem compromisso com vocês. Ela, certamente, vai visitar vocês outra vez, vai conversar com vocês e vai aprimorando a vida de vocês.
           
Por último, eu queria agradecer aos companheiros que vieram de longe, viu, Dilma. Aqui tem gente que veio de ônibus – três dias de ônibus – e vão voltar, vão passar o Natal na estrada. Tem gente que vai passar o Natal na estrada.
           
Portanto, meus queridos companheiros, eu quero, do fundo do coração, eu quero, do fundo do coração, agradecer o carinho que vocês tiveram comigo. Eu fico meio nervoso ainda, Dilma, porque nós criamos o Brasil Sorridente, e eu quero que você veja uma coisa. Isto aqui, você precisa pegar no pé do seu próximo ministro da Saúde. Eu não me conformo... é o seguinte. Dá uma olhada nesta companheira aqui. Ela está sem dente, está vendo? Nós criamos o Brasil Sorridente exatamente para cuidar das pessoas pobres e tem muitas, tem muitas... mas estão no centro da cidade. Então... Você é de onde? É de Fortaleza. A prefeita... Lá tem Brasil Sorridente, lá tem Brasil Sorridente. Você poderia procurar, para cuidar... é de graça, é de graça, não paga nada! Mas depois eu quero que você deixe um telefone para o Gilberto Carvalho aqui, porque nós vamos cuidar disso, cuidar para você poder, para você... Nós vamos cuidar disso. O Gilberto vai pegar.
           
Então, eu queria, eu queria dar os parabéns aos companheiros que vieram de longe, que vieram de ônibus, que vão passar o Natal na estrada, e dizer para vocês o seguinte: olha, eu estou apenas deixando a Presidência da República, mas, se Deus quiser - e vocês me convidarem - o Natal do ano que vem eu estarei aqui com vocês outra vez. Eu vou combinar com a direção, quando eu for a alguns estados, eu vou querer visitar o “lixão”. Onde estiver funcionando um “lixão”, eu quero visitar.
           
Mas eu quero dizer para vocês que o compromisso, o compromisso meu com vocês não é por que eu era presidente, não. É um compromisso de um ser humano, de um brasileiro que sabe como é que vocês vivem e que sabe a importância que vocês têm. Eu quero dizer para vocês que, se um dia, alguém perguntar para mim do que eu me orgulho muito, eu vou dizer que eu me orgulho de ter tratado vocês com o mesmo respeito que eu trato todo mundo. Vocês entraram no Palácio do Planalto como entra um empresário, como entra um presidente, e eu quero abraçar e beijar vocês como qualquer outra pessoa deste país.
           
Nós só iremos construir este país, verdadeiramente justo, quando a gente olhar um para o outro e a gente não ver diferença entre nós. A gente ver que nós, antes de sermos brasileiros, antes de sermos companheiros, nós somos irmãos de caminhada, irmãos de luta, e vamos construir juntos uma vida melhor para todos vocês.
           
Eu quero que vocês saibam, quero que vocês saibam que esta turma que está aqui – alguns vão continuar no governo, outros não – mas esta turma que está aqui vai continuar trabalhando com vocês, esteja a gente onde estiver e estejam vocês onde vocês estiverem. Eu tenho certeza que a companheira Dilma tem, em vocês, motivo de orgulho, motivo de orgulho do avanço, do carinho, e, em vez de vocês me agradecerem, em vez de vocês se curvarem para mim, eu vou agradecer vocês me curvando, porque vocês nos ensinaram a governar este país.
           
Um grande abraço, que Deus abençoe. Aqui, eu quero cumprimentar também a delegação de estrangeiros. Parece que tem gente da Colômbia, tem gente da Argentina, tem gente do Peru, África do Sul, Chile e Costa Rica.
           
Um abraço a todos vocês. Feliz Natal, feliz Ano Novo, e até o ano que vem, se Deus quiser.