quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Os derradeiros discursos de Lula como Presidente da República - Salvador, 29/12/2010

Minha Casa, Minha Vida atinge 1 milhão de contratos

Discurso do presidente Lula em Salvador, Bahia, durante a cerimônia de entrega simultânea, em diversos estados do Brasil, de casas do programa "Minha Casa, Minha Vida".

Em dezembro o número de moradias contratadas para construir passou de 1 milhão.




Agência Estado
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou hoje que já começou a "endividar" a fase do programa habitacional Minha Casa Minha Vida a ser conduzida pela presidente eleita, Dilma Rousseff. As contratações do programa somam 1,003 milhão de unidades, acima da meta de um milhão de unidades.

"Já comecei a endividar o programa da Dilma. Como a Dilma é minha companheira, vou pegar um pouco das casas dela para a faixa de zero a três salários mínimos", disse. A segunda etapa do Minha Casa, Minha Vida tem como meta a contratação de dois milhões de moradias.

"Alguns companheiros dos meios de comunicação disseram, nas últimas semanas, que a gente não ia conseguir fazer o contrato de um milhão de casas. Provavelmente, algumas pessoas estavam acostumadas com alguns governos que ficavam sentados com a bunda na cadeira e não cobravam as pessoas o que tinham que cobrar", disse Lula.

O presidente elogiou o trabalho da presidente da Caixa Econômica Federal (CEF), Maria Fernanda Coelho, e do vice-presidente de Governo do banco, Jorge Hereda, mas deixou claro que fez cobranças quando necessário. "Quantas reuniões, quantas brigas, quantos xingamentos o companheiro Hereda recebeu da minha parte."

Lula ressaltou que não disse que a meta de um milhão de unidades contratadas seria cumprida numa data específica. "Mas queria terminar o meu mandato com maior número de contratos já feitos pela Caixa e subsidiados pelo governo da República. Os que duvidavam que nunca mais ousem duvidar da capacidade dos trabalhadores brasileiros, da Caixa e do governo", afirmou.

Segundo o presidente, a escolha de Salvador para sediar o ato que coordenou entregas, lançamentos e assinaturas de contratos de imóveis do Minha Casa, Minha Vida teve como um dos motivos o fato de a Bahia ter sido o Estado que mais contratou unidades nos moldes do programa habitacional no total e na faixa de zero a três salários mínimos.

Uma das críticas feitas pela sociedade brasileira ao Minha Casa, Minha Vida refere-se ao tamanho das unidades. Durante seu pronunciamento, Lula comentou que sua primeira casa, comprada em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, em 1976, tinha 33 metros quadrados, onde vivia com sua esposa, Marisa Letícia, com três filhos e sua sogra.

Em seguida, brincou que eram, na verdade, duas sogras, pois ficou próximo da mãe do primeiro marido de Marisa. "Eu sou o único brasileiro que adotei uma sogra."

Última viagem

Lula afirmou que esta foi sua última viagem como presidente do Brasil, mas não o último ato oficial, pois tem uma agenda a cumprir amanhã. "No sábado, depois que eu passar a faixa para Dilma, viajo para São Bernardo. Espero ser convidado para passar férias na Bahia", disse. "Lulinha vai arrasar no carnaval, vai ser o Lulinha 2011", acrescentou.

A intenção é comer feijoada, acarajé e moqueca com dendê quando regressar à Bahia. "Quero ir com Jaques Wagner (governador reeleito no Estado) a uma bela praia, passando uns três dias olhando o dedão do pé", contou.

O presidente agradeceu ao povo brasileiro, com quem dividiu o mérito da popularidade de seu governo. "É com muito orgulho que vamos terminar o mandato com 87% de bom e ótimo. Isso possivelmente não é mérito meu, mas da grandeza de cada um de vocês que soube acreditar, confiar."

Segundo Lula, o Brasil deu exemplo ao mundo ao votar em um torneiro mecânico. "Eu sabia que não podia fracassar, pois a classe trabalhadora nunca mais ia eleger um operário, assim como a Dilma sabe que não pode fracassar. Vamos apoiar a companheira Dilma. Ela vai precisar de toda a força", pediu.

'Desconsertos'

Lula disse deixar a Presidência "consciente de que fizemos muita coisa pelo Brasil, mas que ainda há muita coisa para fazer". A avaliação é de que são necessárias algumas gerações para consertar os "desconsertos" que foram feitos no País.

"Um companheiro que representa os sem-teto jamais entraria no Palácio (do Planalto) se não fôssemos nós. Eu sou presidente da República, mas sei de onde eu vim. Um palácio tem que receber catadores de papel, deficientes físicos. Não valeria a pena ser presidente se vocês não continuassem me chamando de companheiro" disse.

Lula ressaltou que os trabalhadores não são "mais burros" que a elite, assim como não pretendem ser "mais inteligentes". "Queremos ter os mesmos direitos. Não sei quem foi o malandro que inventou que pobre não gosta de coisa boa. Pobre gosta de luxo. Inventaram até que pobre não gosta de uísque, só de cachaça."

O presidente ressaltou que não se mede a qualidade das pessoas pela quantidade de dinheiro, mas pelo caráter e pela educação recebida de berço. "Nisso, pobre não deve nada a ninguém nesse País."

O presidente destacou que "valeu à pena" provar que a inteligência não está definida pelo número de anos que a pessoa passa na universidade. "A inteligência de decidir é uma mistura da nossa massa encefálica com o nosso coração. Isso nós temos que ensinar e não que aprender."

Crise

Lula afirmou que foi "gostoso" terminar seu mandato vendo os Estados Unidos, a Europa e o Japão em crise, considerando que "eles sabiam tudo para resolver o problema da crise do Brasil, da Bolívia e do México". "Não foi nenhum doutor, foi um torneiro mecânico com sua equipe econômica que conseguiu fazer a crise demorar mais para chegar até aqui", disse.

Dirigindo-se à população, afirmou: "Vocês se sentem o Lula na Presidência desse País, com virtudes e com defeitos. Disseram que era difícil governar. É difícil quando você quer governar para uma minoria, mas é fácil quando você quer governar para todos. Vou terminar como o presidente que mais construiu universidades, escolas públicas, mais investiu em ciência e tecnologia".

Lula citou também a criação de 15 milhões de empregos com carteira assinada. Afirmou ainda que é importante agradecer "cada dia de vida".

Ele citou que o Nordeste, que só aparecia no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como região com mais problemas de desnutrição, já responde por 10% dos doutores formados no Brasil. "Não queremos tirar nada de nenhum Estado. O que queremos é não ser mais tratados como região destinada ao subdesenvolvimento", disse.

"O nordestino não tem vergonha de ser pedreiro, mas queremos também ser engenheiros." Lula afirmou ainda que tem orgulho de ser um presidente que nunca teve vergonha de andar com empresários brasileiros pelo mundo afora.


LEIA A ÍNTEGRA DO DISCURSO

Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia de inauguração simultânea de unidades habitacionais em 18 estados, assinatura de contratos com os 27 estados para a construção de unidades habitacionais e anúncio dos resultados nacionais do programa Minha Casa, Minha Vida
Salvador-BA, 29 de dezembro de 2010


Eu quero... Deixa eu dizer uma coisa para vocês que eu considero importante. O fato de eu ter decidido vir à Bahia para fazer este ato tem dois significados: Primeiro, alguns companheiros dos meios de comunicação disseram, nas últimas semanas, que a gente não ia conseguir fazer o contrato de um milhão de casas. Possivelmente, algumas pessoas estavam acostumadas com um tipo de governo em que ficavam sentados com a bunda em uma cadeira e que não se importavam em chamar os seus companheiros para cobrar as coisas que tinham que cobrar.

O companheiro Jorge Hereda é meu companheiro de muitos anos. Antes de ser vice-presidente da Caixa, ele trabalhava na cidade de Diadema, companheiro do PT e que veio para a Caixa fazer um trabalho extraordinário. E esta companheira Maria Fernanda, ela é tão digna que, quando eu a convidei para ser presidente da Caixa, Wagner, ela, em vez de arrumar outro argumento, ela me disse: “Presidente, eu acho que não é bom eu aceitar, porque eu vou complicar a sua vida, Presidente. Eu tenho um irmão que é do DEM e trabalha lá com o governador de Pernambuco, que é oposição ao senhor”. Aí eu falei para ela: “Mas, Maria Fernanda, eu não quero contratar o seu irmão, eu quero contratar você”. E eu não sabia, depois que ela começou a trabalhar eu fiquei sabendo que ela foi (falha no áudio) na cidade de Recife, lá em Pernambuco. Então, melhorou muito a consideração que eu tinha por ela.

Essas duas pessoas, mais a Dilma, mais a Miriam Belchior, mais o companheiro Marcio sabem quantas reuniões eu convoquei para cobrar o programa Minha Casa, Minha Vida. Quantas reuniões, quantas brigas, quantos xingamentos que o meu companheiro Hereda recebeu da minha parte, quantos desaforos. Porque eu não disse que nós íamos completar em uma data X, mas eu tinha a convicção de que era preciso terminar o meu mandato fazendo o maior número de contratos já feitos na história deste país para habitação, financiados pela Caixa Econômica Federal e subsidiados pelo governo da República.

Então, hoje eu quero te dizer, Wagner, que venho aqui para lavar a alma. E vi aquele número que a Maria Fernanda publicou ali, na televisão: 1 milhão e 3 mil casas contratadas. Nem a Odebrecht, que é a maior empresa da construção civil deste país, imaginava que fôssemos capazes de fazer um milhão de contratos em 2010; nem o Paulo imaginava que a gente pudesse fazer. E nós fizemos para dizer àqueles que duvidavam que nunca mais ousem duvidar da capacidade de construção de casas dos trabalhadores brasileiros, da Caixa Econômica Federal e do governo brasileiro, que está determinado a resolver o problema de um déficit habitacional crônico neste país.

Então, aqueles que escreveram nesta semana que a gente não ia entregar um milhão de casas, por favor, peçam desculpas e reescrevam a matéria de vocês e falem que nós fizemos mais do que a gente imaginava. Não é feio pedir desculpas, feio é persistir no erro e na ignorância de alguns que ousaram não acreditar que nós seríamos capazes.

A Caixa Econômica, (incompreensível), é importante você saber disso, a Caixa Econômica, quando eu entrei no governo, ela financiava R$ 5 bilhões, R$ 5 bilhões. Este ano, Wagner, chegou a 70 [bilhões], 14 vezes mais do que financiava em 2003.

Então, essas coisas é que mudaram no Brasil. E aquele companheiro dono da fábrica (falha do áudio), que disse que não mudou nada no Brasil, certamente não viu a qualidade de um apartamento desses para uma pessoa que ganha até três salários mínimos. Eu, meu companheiro, vou lhe dizer uma coisa: eu comprei minha primeira casa em 1976, no Jardim Lavínia, em São Bernardo do Campo. A minha casa tinha 33 metros quadrados, 33 metros quadrados. Éramos eu, Marisa, três filhos e uma sogra. E eu ainda tinha duas sogras, porque eu sou o único brasileiro que adotei uma sogra. Não tem, na face da Terra, alguém que adotou uma sogra, e eu adotei a mãe do primeiro marido da Marisa como se fosse a minha mãe, como se fosse a minha sogra, e trato ela com muito carinho e com muito respeito.

Pois bem, então, se o dono da fábrica de mamona, ignorante que deve ser – porque ninguém é dono de uma fábrica de mamona à toa, e ninguém quer expulsar vocês da fábrica dele à toa, não deve ser bom caráter. Esse cara...

___________: A fábrica dele faliu.

Presidente: A fábrica faliu, antes de eu chegar ao governo. O governo bom é o que levou a fábrica dele à falência. Então, se esse cidadão viesse a entrar num prédio desses e visse a casa de 45 metros [quadrados] construída para um companheiro pobre, trabalhador, que ganha até três salários mínimos, ele certamente iria falar: “Desculpa, meu neguinho, mudou. Mudou e eu não vi, porque eu sou ignorante, porque eu sou cego, porque, antes de tudo, eu sou um imbecil que não quer enxergar a verdade do que está acontecendo neste país”.

A segunda razão pela qual eu estou aqui, Wagner, é por sua causa, é por sua causa. Porque este estado aqui é o estado que mais contratou casas nesse tempo, e contratou mais de zero a três [salários-mínimos]. Por conta dele, eu já comecei a endividar o programa da Dilma, ou seja, nós temos um programa da Dilma, que é de 2 milhões de casas nos próximos quatro anos, e o nosso era de um milhão. Como ele precisava construir mais casas até... de zero a três [salários-mínimos], eu falei: bom, a Dilma é minha companheira, eu vou entrar no programinha dela, pegar um pouco das casas de zero a três [salários-mínimos], até lá a gente vai gerar mais empregos, os trabalhadores vão ganhar mais salário e, aí, vai ter mais gente ganhando de três a seis [salários-mínimos], e aí vai poder comprar a casa melhor, de qualidade.

Então, eu estou aqui para homenagear a Bahia de Todos os Santos, pelo governador que tem. É o primeiro galego dos olhos azuis negro. É o primeiro galego negro, com sentimento negro. Eu duvido que tenha um baiano mais baiano do que ele. E, se não for, a dona Fátima mete o porrete nele, para ele virar cada vez mais baiano. Então, eu estou aqui também por sua causa, para homenagear o companheiro que veio do Rio de Janeiro, construiu sua vida aqui, casou e derrotou o inderrotável ACM, duas vezes, no primeiro turno. Então, só por isso, eu estou aqui.

A terceira razão pela qual eu estou aqui é porque tem dois microfones, e eu não posso ver um microfone que eu quero falar. Eu, na verdade, Wagner, não é o último ato meu oficial, porque amanhã eu tenho uma agenda oficial. Esta é a última viagem minha como presidente da República no Brasil, porque agora, a próxima viagem será no sábado, às quatro horas da tarde, quando eu passar a faixa para a Dilma, se não me der (falha no áudio)... eu passar a faixa para a Dilma, aí eu pego o avião para ir embora para São Bernardo do Campo, para ver se eu tiro umas férias. Nas férias, certamente, serei convidado para vir a uma bela praia na Bahia, tomar água de coco... tomar água de coco, tomar uma cervejinha, tomar uma caninha, que ninguém é de ferro. Deus sabe que eu mereço isso e, portanto... Hein? Pode me convidar. Virei aqui na Bahia no Carnaval, passar pelo menos um dia aqui na Bahia. Eu quero ver se baiano é bom para dançar carnaval.

Vou me preparar fisicamente, vou dar um banho aqui. Pode preparar, um tal de Dodô e Osmar, um tal de Ilê Aiyê, um tal de... pode se preparar, que o Lulinha vem para arrasar no Carnaval. Lulinha vai ser “Lulinha 2011”. Aí, não estou disputando nada, sem nenhuma pretensão, apenas a pretensão de viver a minha vida... e com você também, meu amor. Ivete tem muito pretendente. Quem sabe eu e você poderemos fazer inveja para a Ivete?

Então, eu vim aqui também para dizer para vocês que deixo a Presidência da República consciente, mas muito consciente de que nós fizemos muita coisa pelo Brasil, mas que ainda tem muita coisa para fazer.

Afinal de contas, 500 anos de história, a gente não muda em oito anos. É preciso algumas gerações para a gente consertar os desconsertos que foram feitos neste país. A alegria que eu tenho de ter passado pela Presidência da República é de ter despertado no povo pobre deste país a ideia de que nós não somos mais burros do que a elite deste país. E também não queremos ser mais inteligentes, nós queremos apenas ter os mesmos direitos e ser iguais a todas as pessoas. Nós não queremos que pensem mais que pobre não gosta de coisa boa. Não sei quem foi o malandro que inventou que pobre não gosta de coisa boa, que pobre gosta é de miséria. Não, pobre gosta é de luxo. Inventaram até que peão não gosta de uísque, peão só gosta de cachaça. Aqui, ó. Peão gosta de uísque também. Você não gostou de salmão? Por que a gente só tinha que gostar de piaba?

Então, eu acho que a minha passagem pela Presidência, ela criou uma coisa nova neste país. Ela despertou nas pessoas mais humildes a ideia e a convicção de que nós podemos, nós podemos. O que nós não devemos é desanimar nunca, o que nós não devemos é ficar chorando cada leite derramado. A gente tem que brigar é pelo leite que a gente quer conquistar, é pelo futuro, e não ficar reclamando apenas do passado.

A gente não tem tempo. A passagem da gente pelo planeta Terra é muito curta. Quem vive muito vive 100 anos, mas a maioria morre em uma media de 70 anos. Então, nós não temos o direito de reclamar. Nós temos que, todo dia, ao abrir os olhos, olhar para o céu e agradecer a Deus de ter nos dado mais um dia de vida. E aquele dia de vida que ele nos deu é para a gente brigar, perseverar, lutar, para a gente conquistar mais alguma ciosa no dia seguinte e não desanimar nunca. É isso que está acontecendo no nosso país. Nós passamos a gostar mais da nossa bandeira, nós passamos a gostar mais do nosso hino. Nós estamos percebendo que os nossos governadores e os nossos prefeitos, com algumas exceções, estão gostando mais do povo, estão conversando mais com o povo, estão atendendo mais o povo.

Um companheiro que representa um sem-teto jamais subiria em um palanque, se não fôssemos nós, jamais. Jamais entraria em um palácio, se não fôssemos nós. E entrou, porque embora eu esteja presidente da República, eu sei de onde eu vim e sei para onde eu vou quando eu deixar a Presidência da República.

Tenho clareza absoluta de que um palácio não é apenas para receber príncipes, rainhas, empresários ou banqueiros; tem que receber todos, mas tem que receber os catadores de papel, os sem-teto, os cortadores de cana, os desempregados, os deficientes físicos, aqueles que, muitas vezes, eram escondidos pelos governantes quando chegava uma autoridade. E nós não queremos esconder, nós queremos mostrar para que nós, governantes, nos lembremos sempre que é por causa de vocês que a gente briga para ser prefeito, para ser governador ou para ser presidente da República.

Não valeria a pena eu ter sido presidente se não fossem vocês. Não valeria a pena eu ter sido presidente se vocês não continuassem me chamando de “companheiro”, me tratando de “Lula”, me chamando de “baiano”, me chamando de “taturana”, nunca me chamaram de “Excelência”. Desgraça, nunca me chamaram de “Excelência”. Eu, quando chego no exterior, vou conversar com o Obama, com o Chirac, com o Hu Jintao, todo mundo: “Porque Vossa Excelência daqui, Vossa Excelência de lá”. Eu chego aqui e vocês ficam: “Ô Lula, ô Lula, ô Lula”. Ou seja, nenhuma “Excelência”. Mas eu não me importo, porque o grande orgulho que eu tenho é que nunca antes na história deste país um presidente encarnou tanto a alma de vocês como eu encarnei, porque vocês se sentem um Lula na Presidência da República deste país, com virtudes e com defeitos.

Valeu a pena passar pela Presidência para poder, hoje, participar de debates internacionais, na academia brasileira, e dizer: é fácil governar o país. Eles sempre disseram que era difícil: “Ah, é muito difícil ser presidente, é difícil”. É difícil quando você quer governar para uma minoria; mas quando você quer governar para todos, é muito fácil. É difícil quando você é surdo que não quer escutar ou cego que não quer ver. Mas é fácil quando você faz exatamente aquilo que o povo pede para você fazer, que você enxerga como é que vive o povo.

E, por isso, eu vou terminar a Presidência como o presidente da República que mais construiu universidades na história do Brasil, mais construiu escolas técnicas, mais investiu em ciência e em tecnologia, mais colocou jovens na universidade brasileira, mais cuidou dos pobres; criamos o ProUni, que colocou 750 mil jovens da periferia na universidade, dos quais 40% negros e negras da periferia deste país. O ProUni, sozinho, tem mais negros na universidade do que todos os 500 anos da história do país colocaram de negros na universidade.

Foi gostoso passar pela Presidência da República e terminar o mandato vendo os Estados Unidos em crise, vendo a Europa em crise, vendo o Japão em crise, quando eles sabiam tudo para resolver o problema da crise brasileira, da crise da Bolívia, da crise da Rússia, da crise do México. Foi importante provar para eles que, na crise, não foi nenhum doutor, nenhum americano e nenhum inglês. Foi um torneiro mecânico, pernambucano, presidente do Brasil, que soube como lidar com a crise, com a sua equipe econômica. É por isso que a crise demorou mais para chegar aqui e foi embora depressa. É com muito orgulho pegar os dados do IBGE e ver que nós só temos 5,7% de desemprego no país, e que a Espanha tem 20[%], outros têm 10[%], outros têm 15[%], e que o Brasil tem o menor número, hoje, comparado aos números dos países ricos da década passada.

É muito confortante, Wagner, saber que nós criamos 15 milhões de empregos, em oito anos, com carteira assinada. É muito gratificante a gente saber que mais de 36 milhões de brasileiros ascenderam à classe média. É importante saber que mais de 20 milhões de brasileiros saíram da miséria.

Mas o que é mais importante – e esse é o legado que eu quero deixar para vocês – é que vocês descobriram que a gente não mede a qualidade de um homem pela quantidade de dinheiro que tem, a gente não mede a qualidade de um homem pela quantidade da sua conta bancária ou o berço em que ele nasceu. A gente mede as pessoas é pelo caráter. A gente mede as pessoas é pela educação que nós recebemos de berço; e, isso, pobre não deve nada a ninguém neste país, e nós queremos apenas que sejamos respeitados e tratados dignamente.

Este país mudou. Tem gente que não quer acreditar, mas o Nordeste, Wagner, que só aparecia no IBGE como a maior mortalidade infantil, maior desnutrição, maior analfabetismo, o Nordeste hoje já tem 10% dos doutores formados no Brasil, e nós queremos chegar a 30% de doutores e mestres formados no Brasil.

Nós queremos dizer ao Brasil inteiro que o Nordeste brasileiro não quer tirar nada de nenhum estado. Nós não queremos tirar nada do Rio Grande do Sul, (incompreensível), não queremos tirar nada de São Paulo, de Minas Gerais ou do Rio de Janeiro. O que nós não queremos, enquanto Nordeste e enquanto Norte, é não ser mais tratados [é ser tratados] como se fôssemos uma região predestinada a um subdesenvolvimento.

Nós queremos dizer, para quem quiser ouvir, que o nordestino não tem vergonha de ser pedreiro, não quer deixar de ser pedreiro, mas não queremos só isso. Queremos também ser engenheiros, queremos também ser médicos, queremos também ser doutores, queremos também participar do bolo que nós construímos. E queremos dizer àqueles que já têm alguma coisa que, no Norte e no Nordeste deste país, quanto mais os pobres deixarem de ser pobres, quanto mais consumidores eles forem, mais os empresários vão ganhar dinheiro vendendo casa, vendendo carro, vendendo geladeira, vendendo máquina de lavar roupa, vendendo máquina de lavar louça, vendendo rádio, vendendo televisão, vendendo roupa, vendendo sapato, vendendo comida, vendendo carne, vendendo tudo. Quando nós deixarmos de ser miseráveis, o Brasil será melhor para todos nós.

Por isso, meus queridos companheiros e companheiras, valeu a pena ser presidente da República deste país, para provar que a inteligência de um ser humano não está ligada à quantidade de anos que ele participou na universidade. A universidade aumenta o conhecimento específico, mas a inteligência de decidir, a inteligência de saber definir aquilo que é prioridade a gente não aprende na universidade, porque aquilo é uma mistura da nossa massa encefálica com o nosso coração, que decide de que lado a gente está, o que a gente vai fazer, o que é prioridade. E nisso, Wagner, nós temos que ensinar, nós não temos que aprender. Com muita humildade, nós temos que ensinar a muita gente que passou por este país e que dizia que a inflação não seria controlada se a gente aumentasse o salário-mínimo; nós controlamos e aumentamos o salário-mínimo; que diziam que a gente não podia exportar, porque a gente iria matar o mercado interno; nós estamos exportando e o mercado interno continua crescendo. Neste ano, companheiros, nós batemos recorde de exportação, quando os pessimistas achavam que nós não íamos bater, batemos 1998.

Tenho orgulho, Jaques Wagner, de ser um presidente que nunca teve vergonha de andar com empresário pelo mundo afora, vendendo os produtos brasileiros, defendendo as empresas brasileiras, fazendo propaganda. Eu lembro que quando o Bush veio aqui, nós fomos visitar a Petrobras, e o Bush não quis tirar uma fotografia perto do carro da Ford: “Ah, porque eu não posso fazer merchandising”. Eu falei: Bush, eu faço da Ford, eu faço da GM, eu faço da Volkswagen. O que eu quero é vender carro brasileiro, o que eu quero é vender produto brasileiro, o que eu quero é que o Brasil seja uma economia forte e que as pessoas possam viver dignamente.

Então, deixo a Presidência da República, Wagner, em agradecimento a este povo extraordinário que nunca me faltou, nunca, em nenhum momento. Mesmo nos momentos difíceis, quando a elite brasileira, a elite política achava que iria me derrubar, eu disse para eles: Vocês não me conhecem. Quem quiser me derrubar vai ter que ir para a rua brigar comigo.

É com muito orgulho, é com muito orgulho, Wagner que, enquanto outros presidentes que passaram pelo Brasil, com dois anos de mandato, já não tinha mais muro para pichar: “Fora não sei quem”, nós vamos terminar o mandato com 87% de bom e ótimo, 87% de bom e ótimo. E isso, possivelmente, não seja mérito meu, nem do Wagner, nem de um prefeito. Mas, possivelmente, o mérito seja da grandeza de cada um de vocês, porque vocês souberam esperar, porque vocês souberam acreditar, porque vocês souberam confiar.

E uma nação só será grande, só será construída com força quando nós, o povo daquela nação, gostarmos do nosso país, acreditarmos no nosso país e o Estado estiver presente, cuidando da gente, levando educação, levando saúde, levando habitação, levando transporte.

É por tudo isso, meus queridos companheiros e companheiras, que eu termino a minha viagem como presidente aqui na Bahia. Porque aqui na Bahia, eu quero voltar com o direito de comer feijoada, de comer acarajé, de comer... de comer uma verdadeira moqueca com dendê e de poder ir, com o Jaques Wagner, a uma bela praia passar uns três dias molhando o dedão do pé.

Gente, quero agradecer de coração a reeleição do companheiro Jaques Wagner e a eleição da companheira Dilma Rousseff presidente da República. Sabe, muita gente tentou me desencorajar, dizendo que eu não deveria lançar uma mulher, porque o povo brasileiro não votaria em uma mulher. Eu tinha, Fátima e Maria Fernanda, experiência. Muita gente tentou, muitas vezes, me desmotivar de ser candidato, dizendo que o povo nunca iria votar em um metalúrgico.

Pois eu termino o meu mandato dizendo a todos vocês: agradeço a Deus e agradeço a vocês, primeiro, pelo Brasil ter dado exemplo ao mundo de ter votado em um torneiro mecânico para presidente da República e, depois dessa extraordinária posição do povo brasileiro, a gente conseguir eleger a primeira mulher presidenta da República deste país. Ela, como eu, ela, como eu, ela sabia que eu dizia todo dia: eu não posso fracassar porque, se eu fracassar, nunca mais a classe trabalhadora vai eleger um operário. E ela sabe que ela não pode fracassar; porque se ela fracassar, os machistas de plantão vão dizer: “Está vendo? Eu avisei, lugar de mulher é na cozinha, é no tanque, é na pia, é lavando chão, é limpando cocô de criança”. E nós, homens e mulheres democráticos deste país, queremos dizer em alto e bom som: não existe lugar para homem e lugar para mulher, existe lugar para brasileiros e brasileiras. E as mulheres têm tanta ou mais competência, tanta ou mais sensibilidade que nós, homens, para cuidar deste país.

Um grande abraço e até outro dia, se Deus quiser, companheiros. Vamos apoiar a companheira Dilma. Vamos apoiar, porque ela vai precisar de toda a força baiana, de todo o axé baiano para ela fazer mais e melhor do que nós fizemos.

Obrigado, companheiros, e até outro dia.

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