segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O governo Dilma e a Comunicação Social

por Marcelo Salles
“A Comunicação é uma missão social. Por isto, juro respeitar o público, combatendo todas as formas de preconceito e discriminação, valorizando os seres humanos em sua singularidade e na luta por sua dignidade” (Juramento do Jornalista Profissional)

Segundo a jornalista Marilia Gabriela, a vitória de Dilma foi apertada. 12 milhões foi pouco pra ela. Uma Bolívia inteira de votos não bastou, como não foi suficiente para convencer a maior parte dos intelectuais da direita e de seus arautos. “A oposição vai governar 54% do eleitorado” é a frase mais comum a flutuar pelo vasto oligopólio da mídia.

De fato a direita ganhou importantes governos estaduais. Ocorre que, para a infelicidade dela, o campo progressista também venceu importantes governos estaduais. E mais: 60% da Câmara dos Deputados e 70% do Senado Federal. Talvez o Congresso Nacional mais à esquerda que o Brasil já viu. Mas como parte da direita não enxerga o Brasil…

A primeira entrevista de Dilma, depois de eleita, foi para a TV Record. Nem o Lula, que é o Lula, ousou desafiar a supremacia da TV Globo. Se a iniciativa vai se traduzir em ações concretas de combate às irregularidades das empresas de mídia, que violam descaradamente a Constituição Federal, isso só o tempo vai dizer. É preciso ficar atento para os novos ministros das Comunicações, Educação, Cultura e Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Seja como for, não dar a primeira entrevista à Globo tem um valor simbólico gigantesco.

Por um motivo muito simples: a TV Globo, inaugurada em parceria com o grupo estadunidense Time-Life um ano depois da ditadura, foi o principal sustentáculo do regime autoritário que sequestrou, torturou e assassinou milhares de brasileiros.

Vamos à opinião de quem trabalhou por 10 anos na Fundação Roberto Marinho, inclusive ocupando o posto mais alto da organização, a de controller. Roméro Machado:

- O escândalo Globo/Time Life não é meramente um caso de um sócio brasileiro (Roberto Marinho) que aceita como sócio uma empresa estrangeira (Grupo Time-Life), contra todas as leis do país. O escândalo Globo/Time-Life é mais do que isso. É antes de mais nada um suporte de mídia que visava apoiar, dar base, sustentação e consolidar a ditadura no Brasil, apoiada e supervisionada pela CIA, por exigência dos Estados Unidos, comandado por terroristas da CIA, como Vernon Walters e Joe Walach, sendo este último com emprego fixo na Globo, como “representante” do grupo Time-Life.

Dilma lutou contra essa ditadura, e ela sabia muito bem que a tortura foi utilizada como instrumento de controle social, assim como a Globo, para permitir a desnacionalização das economias latino-americanas. A jornalista Naomi Klein, no livro “A doutrina do choque”, mostrou de modo lapidar a relação dos regimes autoritários com a implementação do capitalismo neoliberal em Nuestra América. Foi no Chile o laboratório.

Foi no Chile de Pinochet que os Chicago Boys, sob a orientação do economista Milton Friedman, fizeram a festa. O receituário é conhecido: privatizações, redução do Estado e abertura econômica indiscriminada. Rigorosamente o contrário do caminho adotado pelo Brasil e pelos países latino-americanos que conquistam avanços importantes.

Por isso é muito significativa a escolha da presidenta eleita.

Não é o fato de a TV Record ter sido a escolhida, apesar de lá existirem profissionais competentes e que não estão impedidos de fazer jornalismo por forças superiores. O fato é que a Globo foi preterida. E com isso, toda uma lógica foi declinada.

Do ponto de vista da comunicação, podemos antever alguns caminhos para o governo Dilma – caminhos esses que vão influir, em grande medida, no desenvolvimento do Brasil e dos demais países da América Latina:

1) O novo governo escolhe o caminho da conciliação com as Organizações Globo, para minimizar conflitos e poder seguir sem muitas turbulências com sua agenda política. Isso significa não mudar significativamente a política de radiodifusão.

2) Resolve tocar a sua agenda política para a radiodifusão sem pedir autorização para ninguém, o que significa, entre outras medidas: adotar as principais resoluções da Conferência Nacional de Comunicação, como proibir a propriedade cruzada, aproveitar a digitalização para democratizar o espectro radioelétrico, estimular o desenvolvimento de veículos de comunicação alternativos, fomentar a criação de um conselho para os profissionais da mídia e, óbvio, fazer valer a Constituição Federal nos artigos que tratam da Comunicação Social – 220 a 224.

No primeiro caso, poderemos esperar avanços tímidos no campo da comunicação. No segundo caso, uma revolução pode ter início. Seja como for, é fundamental alertar: qualquer caminho que seja adotado terá conseqüências diretas para toda a sociedade, considerando que a mídia tem poder suficiente para interditar debates ou impor as pautas de seus próprios interesses. E essas conseqüências virão para o bem e para o mal, e a depender da correlação de forças. 55 milhões de votos e as maiorias no Senado e na Câmara são bons auspícios. Mas uma Bolívia faz toda a diferença.

Observação: se os movimentos sociais, os partidos políticos, a academia, as associações de classe e demais organizações da sociedade civil ficarem esperando que o governo faça tudo sozinho, nada vai acontecer.

Marcelo Salles, jornalista, é colaborador do jornal Fazendo Media e da revista Caros Amigos, da qual foi correspondente em La Paz entre 2008 e 2009. No twitter, é @MarceloSallesJ

Um comentário:

  1. Decisão sobre projeto de regulamentação da mídia deve ficar para Dilma

    Agência Brasil

    Publicação: 08/11/2010 15:12

    Brasília – No último mês de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo pretende finalizar um anteprojeto de lei sobre a convergência de mídia e a regulamentação de artigos da Constituição Federal sobre comunicação social. A ideia é que a proposta fique pronta e seja encaminhada ao novo governo e à presidenta Dilma Rousseff, que toma posse em 1º de janeiro do próximo ano.

    Para elaborar o anteprojeto, a Secretaria de Comunicação Social, que é ligada à Presidência da República, realizará terça e quarta-feira (9 e 10) o Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias, com a presença de especialistas das agências reguladoras dos Estados Unidos, da União Europeia (Reino Unido, França, Espanha e Portugal) e da Argentina.

    De acordo com o secretário de Comunicação Social, Franklin Martins, o objetivo é “recolher subsídios” e “qualificar o debate” sobre a regulamentação do uso da tecnologia e sobre o conteúdo no atual contexto de comunicação eletrônica e sociedade de informação. Na opinião do secretário, o progresso técnico força uma nova pactuação que, segundo ele, “não será feita entre quatro paredes sem a participação da sociedade”.

    De acordo com ele, o novo marco regulatório tratará de normas de competição no setor, segurança dos agentes econômicos, inovação, garantia do direito de informação, liberdade de expressão, produção independente e produção regional.

    Franklin Martins acredita que o estabelecimento de novos marcos legais é necessário por causa do crescimento do setor de telecomunicações, muito acima da área de difusão. Números apresentados pelo ministro apontam que as teles (que já exploram serviço de televisão a cabo e portais na internet) movimentaram no ano passado R$ 181 bilhões – valor quase 14 vezes maior que o movimentado pelas empresas de radiodifusão (R$ 13 bilhões).

    O secretário assegurou que não há nenhuma intenção do governo em propor o restabelecimento da censura à imprensa ou o cerceamento à liberdade de expressão. Franklin espera que o assunto seja tratado de maneira “desideologizada” e “além do preconceito” que costuma atingir a mídia.

    Ao longo do mandato do presidente Lula, as empresas de comunicação criticaram duramente iniciativas do governo como a de propor a criação de um conselho federal de jornalista, o funcionamento de uma agência de regulação para o cinema e televisão (Ancinav), a realização da conferência de comunicação (I Confecom) e o estabelecimento de punição para quem veicule ou publique conteúdo que atente contra os direitos humanos (conforme descrito na versão inicial do atual Programa Nacional de Direitos Humanos).

    Cerca de 300 pessoas foram convidadas a participar do seminário internacional, entre parlamentares, representantes da sociedade civil e das empresas de comunicação. O evento será transmitido pelo canal NBR e pelo site www.convergenciademidias.gov.br. Todas as palestras serão decupadas e traduzidas para o site.

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