quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Transcrição da primeira entrevista da Presidenta Eleita Dilma Rousseff à TV Record

 
Ana Paula Padrão: Boa noite, Brasil. Eu estou em Brasília hoje por um motivo muito especial: a primeira entrevista da primeira presidente eleita no Brasil. E pra essa entrevista fomos escaladas duas mulheres, aqui ao meu lado está minha colega Adriana Araújo. Presidente Dilma Vana Rousseff, muito boa noite, meus parabéns, e em nome da TV Record muito obrigado por essa entrevista hoje.

Dilma Rousseff: Olha. Boa noite, TV Record. Boa noite, Ana Paula. Boa noite, Adriana. É um prazer ter duas mulheres me entrevistando hoje.

Adriana Araujo: Boa noite, presidente.

Ana Paula Padrão: Presidente, essa noite eu não sei, por muito menos eu não dormiria. Como é que a senhora conseguiu dormir essa noite? Em que momento a senhora pensou: Meu deus, eu sou presidente do Brasil?

Dilma Rousseff: Olha. De fato a gente leva assim uma espécie de um, eu não diria que a palavra é choque, mas você fica assim meio surpresa. E aí, é num determinado momento lá pela madrugada perto do amanhecer, eu acordei e falei: Ih, eu sou presidente do Brasil.

Adriana Araujo: Caiu a ficha.

Ana Paula Padrão: Aí não dormiu mais, né?

Dilma Rousseff: É, daí você tem aquele sono leve, mas você fica pensando isso ao longo da noite. É verdade que é um grande impacto porque é uma missão muito importante e quando é uma missão muito importante, e é algo que sem sombra de dúvida – para uma mulher no Brasil – é uma missão desafiadora. Mas ao mesmo tempo é a sua oportunidade de cuidar do povo brasileiro. Então têm esses dois lados.

Adriana Araujo: Presidente, ontem eu acompanhei o primeiro discurso da senhora depois de eleita e houve um momento em que a senhora se emocionou muito, a voz ficou embargada, todos acharam que a senhora choraria, quando falou do presidente Lula, quando agradeceu ao presidente. Se despedir do presidente Lula vai ser o momento mais difícil da transição? E como vai ser exatamente essa participação do Lula no seu governo, já que a senhora disse que vai estar sempre batendo às portas dele?

Dilma Rousseff: Olha Adriana. Eu acho que você conseguiu captar bem essa situação. É de fato um momento muito emocionante. Ontem, eu não fiquei só com a voz embargada não, eu não solucei, mas eu chorei. A gente chora às vezes para dentro e um pouco para fora. Eu chorei para os dois lados ontem. Eu acredito que vai ser um momento ao mesmo tempo, um momento alegre e um momento triste. Porque os grandes momentos tem essa capacidade de misturar dois sentimentos, e dois sentimentos fortes. Eu vou ficar muito alegre por estar assumindo a presidência do país, mas ao mesmo tempo muito triste porque é a despedida do presidente Lula, com quem eu tive um desafio imenso e muitas realizações. Então ao longo dos últimos oito anos, lado a lado do presidente, várias conquistas e várias realizações nós conseguimos juntos. Pra mim vai ser um momento de muita emoção.

Ana Paula Padrão: Presidente, vamos falar agora para o mercado financeiro e para o setor produtivo. Dois postos chamam muito à atenção e são a grande expectativa desses setores nesse momento: Banco Central e Ministério da Fazenda. A senhora já tem nomes? Quando anunciará os nomes? Vai manter os atuais ocupantes desses postos ou essa hipótese está totalmente descartada?

Dilma Rousseff: Olha Ana Paula. Eu acredito que esse será um dos anúncios que eu terei mais cuidado ao fazer. Eu ainda não tenho as decisões tomadas. Hoje, inclusive, eu passei o dia retribuindo ligações de Chefes de Estado, que fizeram ontem e eu não pude responder.

Ana Paula Padrão: A senhora falou com o Barack Obama, por exemplo, o presidente americano.

Dilma Rousseff: Falei com o Barack Obama. Falei com o presidente Nicolas Sarkozy. Falei com vários presidentes. Ontem à noite, eu falei com a presidente Cristina Kirchner. Falei também ontem à noite com o Mauricio Funes. E também hoje falei com o Felipe Calderón, presidente do México, falei com Sebastián Piñera, presidente do Chile, Juan Manuel Santos, presidente da Colômbia, e com vários outros.

Ana Paula Padrão: E todos eles também devem estar curiosos com relação à área econômica.

Dilma Rousseff: Se estão curiosos eu não sei, eles não externaram isso porque é primeiro dia depois da eleição. Agora, eu te garanto o seguinte: Eu garanto a você que uma coisa é certa, eu manterei todos os princípios que regeram o nosso governo no período Lula, eu manterei no meu governo. São os princípios que fundam a estabilidade macroeconômica e o equilíbrio macroeconômico no Brasil. Nós não brincaremos com a inflação. Nós seremos um governo que terá, portanto, metas inflacionárias da mesma forma que houve no governo do presidente Lula.

Ana Paula Padrão: Mais baixas ainda?

Dilma Rousseff: Não, nós manteremos. Nós vivemos num momento, Ana Paula, muito delicado. Porque... hoje inclusive, o presidente Barack Obama comentou comigo as dificuldades que ele tem pelo alto desemprego que afeta os Estados Unidos da América. E, nessa conjuntura que é uma conjuntura ainda de crise, não recuperação dos países desenvolvidos, é prudente que a gente mantenha a meta de inflação nos padrões vigentes. Agora, eu também terei um controle do gasto Público, porque eu acho que a característica principal de um governo no mundo de hoje é não gastar aquilo que não pode gastar. Mas manterei os gastos Sociais e o investimento, porque o Brasil está hoje em outro patamar em relação aos países desenvolvidos. E terei a mesma política criteriosa em relação a Divida Pública e a Taxa de Juros, e no que se refere ao Câmbio eu acho que o princípio hoje no mundo é do Câmbio Flutuante. Agora, nós não vamos deixar de acompanhar com rigor todo esse processo de guerra cambial e de política de desvalorização de moeda que está havendo no mundo.

Ana Paula Padrão: Opa, então pode ter mudança cambial?

Dilma Rousseff: Não, não é isso. O que está acontecendo hoje, e há uma... vamos dizer... essa reunião do G-20 dia 11 e 12, ela vai deixar isso cada vez mais claro - eu pelo menos espero - é que não é possível que ocorra aquele tipo de política que ocorreu na década de 30 e que se caracteriza pela desvalorização competitiva, eu começo a desvalorizar, o outro país começa a desvalorizar, e aí isso bloqueia comércio, bloqueia produções locais, cria a guerra comercial.

Adriana Araujo: como solucionar?

Dilma Rousseff: Eu acho que um dos fatores que soluciona isso é a gente ter de fato, na relação multilateral, a capacidade de instituições fortes para coibir e tende forçar certos países a manter suas moedas, não desvalorizadas abaixo do real - não é do real moeda, da realidade -, mas manter uma política, eu diria assim, não fazer aquela política pragmática que é só favorável ao seu próprio país. É isso que se chamou guerra cambial. Que é de fato desvalorizações indevidas.

Adriana Araujo: Presidente, bom, eu queria falar um pouco da Imprensa. Durante essa campanha a senhora reclamou algumas vezes de algumas reportagens, da cobertura, de parte da Imprensa que fez críticas muito duras à senhora com o apoio declarado ou velado a José Serra. Em algum momento a senhora se sentiu perseguida, desrespeitada?

Dilma Rousseff: Olha, eu vou te dizer o seguinte. Eu me entristeci em alguns momentos muito, mas eu acho que não cabe em relação à Imprensa – da parte de quem quer seja, principalmente de uma pessoa pública – qualquer nível de crítica tentando coibir o que a Imprensa disse ou deixou de dizer. Eu prefiro e sempre disse isso: Eu prefiro as vozes críticas do que o silencio das ditaduras. Agora, isso não impede que eu me sinta prejudicada em alguns momentos e proteste, porque isso não significa preferir a liberdade de imprensa, é preferir a liberdade de opinião e de expressão. Então eu me dou o direito de no momento em que eu me sentir atingida me defender. Agora, eu não tenho nenhuma complacência com qualquer processo de inibição de manifestação da mídia por qualquer motivo que seja. Aliás, eu sempre brinco que o controle remoto na mão do telespectador é o melhor controle que pode ter por parte da população em relação à mídia. Quem resolve isso é o individuo ali mudando o seu canal e escolhendo quem ele vai assistir, quem ele vai ler, que jornal, enfim, eu reafirmo: eu prefiro as vozes críticas. Até porque eu vivi a ditadura e sei do que se trata.

Ana Paula Padrão: Presidente, a gente começou essa entrevista falando de questão de gênero. Não foi a tônica da sua campanha, mas ontem no início do discurso a senhora tocou nesse assunto e disse uma frase emblemática: Sim, a mulher pode! É uma frase muito forte.

Dilma Rousseff: Eu posso te contar de onde aquela frase surgiu? Foi assim, eu estava no aeroporto me preparando para viajar e uma moça com uma menina – de uns 9 ou 10 anos – aproximou-se de mim e disse: O nome dela é Vitoria e ela quer te fazer uma pergunta. Virei para a mãe, até errei porque eu deveria ter virado para a menina, e perguntei: O que você quer me perguntar Vitoria? Ela falou: Eu quero saber se a mulher pode? Aí eu respondi: Pode o quê? Aí ela me disse: Eu quero saber se mulher pode ser Presidente da República? E eu respondi: Sim, mulher pode. E aí sabe o que eu acho, eu acho que a minha eleição torna, sonhos que eu nunca tive, porque sempre me perguntam: Você queria ser o que? E eu sempre disse bailarina, quando eu era criança eu queria ser bailarina. Hoje uma menina de 9, de 5, de 6 pode querer ser Presidente da República porque agora tem uma mulher presidindo a República Federativa do Brasil.

Ana Paula Padrão: pode também querer ser Ministra, querer ser Secretária, vai ter muita...

Dilma Rousseff: Governadora, Prefeita, Diretora de Empresa...

Adriana Araujo: Vai ser um recorde de mulheres.

Ana Paula Padrão: A senhora vai botar muita mulher por lá?

Dilma Rousseff: Olha, eu vou dar muita importância a uma representação feminina.

Adriana Araujo: Agora Presidente, a senhora sempre falou que vai dar continuidade - ontem reforçou – às iniciativas, aos avanços do governo Lula, mas qual vai ser a marca do governo Dilma? A senhora tem uma meta ambiciosa que a senhora conta pro seu travesseiro, que é terminar esse governo com qual marca do seu governo?

Dilma Rousseff: Eu tenho. Eu acho que o governo, a sociedade, empresários, trabalhadores, todo mundo tem de perseguir uma meta nesse Brasil que é a erradicação da miséria. Nós não seremos nem um país e nem uma sociedade desenvolvida enquanto houver miséria. E o que eu acredito é que é meta, é aquilo que você coloca e corre atrás, persegue, para poder realizar.

Adriana Araujo: E a senhora tem uma meta numérica para isso?

Dilma Rousseff: Nós temos 21 milhões de pobres ainda segundo os dados IBGE. Eu acredito que esse é um processo que nós temos de iniciar e colocar isso sistematicamente na pauta da sociedade. Agora, eu tenho mais duas metas complementares, além de prosseguir na questão da qualidade da Educação, eu tenho uma meta de melhorar substancialmente a Saúde no Brasil. Acho que nós temos um avanço a conquistar nesses quatro anos na área da Saúde – 1º - e na área da Segurança Pública. Tanto é assim, que um dos primeiros atos que eu terei será conclamar os governadores a fazer uma grande rediscussão sobre Saúde Pública e sobre Segurança Pública.

Adriana Araujo: O ex-ministro Antonio Palocci é médico, é um sinal? Não?

Dilma Rousseff: Olha, Adriana, eu vou te falar com toda a sinceridade e transparência: Eu ainda não tratei disso. Agora, tenho também uma observação a fazer: Quando eu tratar vocês serão as primeiras a saber. Vocês da Imprensa.

Ana Paula Padrão: Tem uma data?

Dilma Rousseff: Eu não vou falar pra vocês que tem uma data, porque não tem. Mas nas próximas semanas eu começarei a discutir esse processo.

Ana Paula Padrão: Presidente, muito obrigado por essa entrevista, em meu nome, em nome da Adriana, e nome da TV Record, por essa primeira entrevista. Nossos votos do melhor sucesso pra senhora e pro Brasil em última instância.

Dilma Rousseff: Olha, eu gostei muito da entrevista. Duas mulheres entrevistando a primeira presidente do Brasil. Eu queria cumprimentar você Ana Paula, e cumprimentar você Adriana, é uma coisa impressionante quando a gente percebe também que no meio da imprensa e dos jornalistas há uma presença feminina muito forte e muito qualificada.

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